São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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Saber digerir o sapo

LUCIANO MARTINS

Minha resposta só se justifica se se confirmar o que parece ser o pressuposto da pergunta: que Fernando Henrique se candidatará e que os outros candidatos serão Lula, Maluf, Quércia e Brizola. Se for esse o quadro, ele se revestirá de três características:
a) o peso do maior eleitorado do país (São Paulo) se dividirá por quatro e, mesmo que desigualmente dividido, retirará de qualquer candidato paulista a vantagem relativa inicial com a qual ele poderia contar;
b) mesmo tratando-se de uma eleição "casada" (ou por isso mesmo) nenhum dos atuais partidos tem força nacional suficiente para, sozinho, vencer no primeiro turno;
c) de outro lado, nenhum dos candidatos (com possível exceção de Lula, a julgar pelas pesquisas) tem hoje popularidade pessoal suficiente para se sobrepor a essas limitações partidárias e chegar ao segundo turno.
Se é assim, decorrem desse quadro duas consequências complementares. Primeira: dificilmente poderá reproduzir-se o fenômeno eleitoral Collor, que conjugava à perfeição o apelo da "novidade" à desinibição demagógica para poder prescindir de máquina partidária e, ao mesmo tempo, capitalizar para si o baixo prestígio dos partidos políticos; no atual quadro eleitoral, os que podem pretender representar algo "novo" não são demagogos, e os que são demagogos de "novo" nada tem.
Segue-se a segunda consequência: alianças partidárias de peso serão necessárias tanto para uma (mais que improvável) vitória no primeiro turno quanto para a vitória no segundo. E se alguém chegar ao segundo turno sem alianças mais amplas (Lula, por hipótese), ou terá que buscar essas alianças (que parecerão então contraditórias ou oportunistas) ou terá que enfrentar a aliança de todos contra si. Em síntese: sem alianças, ninguém ganha com o necessário lastro político e, se ganhar, provavelmente enfrentará graves problemas de governabilidade quando do exercício do mandato.
E a pior coisa que poderia acontecer ao país –que tem que consolidar instituições democráticas em pane de credibilidade, reabilitar um aparelho de Estado totalmente desorganizado, redefinir o modelo de desenvolvimento de forma a inseri-lo na "terceira revolução industrial", enfrentar com urgência as intoleráveis desigualdades sociais, fazer importantes opções em matéria de política internacional etc. –será um governo fragilizado, politicamente vulnerável, aprisionado num gueto partidário ou doutrinário.
O problema, então, é o da natureza das alianças. Alianças entre partidos, assim como entre nações, não implicam "casamento". Antes, são acordos celebrados em torno de objetivos específicos que podem ser de curto, médio ou longo prazos. PSDB e PFL são partidos diferentes e o último tem uma história política e algumas lideranças nada edificantes.
Entendo que para o PSDB uma aliança eleitoral com o PFL, dado o fechamento do PT sobre si mesmo e a ausência de outras opções, é justificável se se fizer em função de um programa de governo que não descaracterize a proposta renovadora com a qual se apresentam os tucanos. Em política, o problema não é engolir sapos, mas saber digeri-los sem se envenenar com eles.

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