São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Preços sobem sob controle de oligopólios

MARISTELA MAFEI
DA REPORTAGEM LOCAL

Jorge Benjor já disse que canja de galinha não faz mal a ninguém. Mas o caldo, com certeza, faz. O preço do produto ficou 34,67% acima da variação do dólar comercial no ano passado.
O que fez o caldo de galinha, junto com o leite, maionese e óleo de soja, estar bem acima da inflação medida pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) em 93? E ainda o sorvete, margarina, presunto e salame; cigarro, cerveja e refrigerante; sabonete, creme dental e sabão em pó?
Antes que se arrisque uma resposta, um alerta: eles têm algo em comum. Todos pertencem a setores onde um número reduzido de fabricantes domina percentual que varia de 48% a 98% do mercado, e vendem seus produtos para uma infinidade de compradores. São conhecidos, por isso, pelo nome de oligopólios, e atingem todos os segmentos da economia.
Extensa, trata-se de uma lista desconhecida. Os que deveriam tê-la em mãos, como o secretário especial de Política de Preços, José Milton Dallari, e o superintende da Sunab, Celsius Lodder, desconversam quando a imprensa a solicita. "Não é o caso divulgá-la, isso não contribuiria para nada", diz Lodder. "As empresas citadas poderiam alegar constrangimento ilegal e entrar com ação na Justiça", afirma Dallari.
O fato de um número reduzido de empresas dominar o mercado de um determinado produto não significa necessariamente que elas combinam entre si patamar de preço abusivo. Quando isso acontece, o oligopólio torna-se cartel.
Como é muito mais fácil combinar e impor preços quando são poucos os que dominam o mercado, geralmente essa prática a-ética acaba se concentrando nos oligopólios. Eles conseguem sustentar preços para seus produtos mesmo em épocas de recessão, através do controle da oferta.
No caso da lista da Fipe, por exemplo, o item alimentos industrializados, no conjunto, apresentou queda de preços de 2,32% em 93. As baixas mais expressivas foram nos setores onde as participações de mercado de cada fornecedor não chega a 10%, como é o caso do macarrão e do fubá.
Galinha e presunto
No caso do caldo de galinha, 92% do fornecimento do produto é feito pela Nestlé (linha Maggi) e Refinações de Milho Brasil RMB, (linha Knorr). Os supermercados dizem que funciona assim: em um determinado mês a RMB solta a tabela primeiro, e na sequência vem a Nestlé, com percentual pouco abaixo. No mês seguinte, a ordem se inverte.
Essa é uma prática comum. Acontece muito de o segundo ou terceiro maior fabricante esperar o líder soltar a tabela. A partir daquele patamar, os outros vêm na sequência. "É um sinal para o mercado que aquele patamar de preço foi aceito, conseguiu pegar", diz um executivo de um oligopólio que pediu para não ser identificado.
Pelo mesmo critério da Fipe, o presunto subiu outros 24,27% reais em 93. Seu "primo-irmão" salame foi ainda mais longe: alta de 36,74%. Juntas, Sadia e Perdigão respondem pelo abastecimento de 68% da produção de presunto e 51% pela de salame.
Leite e óleo de soja
No setor leiteiro, têm-se um oligopólio irmão-gêmeo de um oligopsônio.
A industrialização do leite pausterizado era relativamente pulverizada até o início da década de 90. Com a entrada agressiva da multinacional italiana Parmalat no mercado, e a fusão das empresas Leco, Vigor e Flor da Nata em uma só (grupo Mansur), perto de 85% do abastecimento do produto na Grande São Paulo ficou, quatro anos depois, em mãos de três empresas. Além das duas já citadas, domina o sistema a Cooperativa Central de Laticínio (Paulista). São Paulo ficou, assim, com um oligopólio no setor de abastecimento.
Na ponta da captação do produto, também houve concentração de empresas que dominam o mercado. A nível de Brasil, formou-se um oligopsônico, com poucos compradores para uma matéria-prima de múltiplos produtores.
Atualmente, Nestlé, Parmalat, Paulista, Itambé e Mansur compram 15 milhões do total de 20 milhões de litros de leite captados diariamente pelos laticínios.
Pela Fipe, o preço do leite tipo C subiu 20,13% em termos reais em 93. O setor alega que está recuperando margens depois de 45 anos de tabelamento.
O óleo de soja é outro exemplo de oligopolização recente. Hoje os grupos Ceval (Soya), Cargill (Liza) e Sadia controlam 48% do abastecimento interno, com preços que subiram, acima da inflação, 18% no ano passado.
Cerveja e refrigerantes
À exceção da Pepsi-Cola, que não atua no setor de bebidas alcólicas, os fabricantes de cerveja e refrigerantes no Brasil formam basicamente o mesmo grupo. Juntas, Brahma, Antarctica e Kaiser (onde a Coca-Cola detém parte do controle acionário) respondem por 94% do fornecimento de cerveja e 77,5% do de refrigerante (trocando-se Kaiser por Coca).
Em 93, houve alta real de 1,7% nos preços da cerveja e 16,01% nos de refrigerantes. Mesmo perdendo mercado para marcas menores, os líderes sustentaram preços. O setor de cerveja esteve em meio a uma polêmica que apontou suspeita de concorrência desleal, de um lado, e indícios de união dos líderes de mercado para derrubar marcas menores, de outro.
A Schincariol, marca que conquistou 4,9% do mercado antes dividido pela Brahma e pela Antarctica, foi alvo de várias denúncias junto à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo por prática de sonegação do ICMS. Blitz da Coordenadoria de Assistência Técnica (CAT) na sede da empresa em Itu (SP) não encontrou irregularidades, segundo informou o governo estadual. A Folha apurou, na ocasião, que a denúncia havia surgido por pressões da Brahma e da Antarctica –que não quiseram se pronunciar sobre o assunto.
Creme dental
A Anakol, dona da Kolynos, a Colgate-Palmolive, da marca Colgate, e a Gessy Lever, com o Signal e a Aim, respondem por 100% da pasta de dente consumida no país. O preço real do produto subiu 2,15%. Já a margarina, um mercado abastecido em 80% pela Gessy Lever, Sanbra, Sadia e Ceval, teve acréscimo real de 7,30%.
Sabão em pó
O setor tem um nome expressivo: Gessy Lever, dona de 74% do mercado de sabão em pó e de 62% dos sabonetes. O sabão em pó subiu 3,36% acima do dólar e, segundo a Lever, ainda assim custa menos aqui do que na Europa. A alta do sabonete foi na mesma faixa: 3,72%.
Cigarros e sorvetes
Juntas, Souza Cruz e Phillips Morris respondem por 98% da produção de cigarros no país. Tabelas com os novos reajustes chegam quinzenalmente ao varejo, em dias e percentuais próximos. Na última quinta-feira, ambas anunciaram redução de prazo no recebimento de suas faturas ao comércio, como modo de compensar redução de prazo para pagamento de impostos. Pelo estudo da Fipe, o produto ficou 8,46% acima da variação do dólar comercial em 93.
O sorvete é outro exemplo de expressiva concentração de fornecedores. A Kibon, marca da Phillip Morris, e a Gelato/Yopa, da Nestlé, abastecem 96% do mercado no país. Em 93 o consumo de sorvete no país recuou, levando os dois grupos a realizarem mudanças internas e de reorganização societária. Os preços, no entanto, tiveram alta real de 34,28%.
Às vezes, produtos oligopolizados registram expressivas baixas de preços. Em 93, o preço do leite em pó caiu 15,45% e o do leite condensado, outros 5,47%. Em ambos os casos, a Nestlé, que detinha mais de 50% do mercado para esses produtos, passou a enfrentar a concorrência agressiva da Parmalat, até então ausente desses segmentos. Mas analistas do setor observam que, posteriormente, um "furador" de oligopólios poderá enquadrar seus preços pelo pico.

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