São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Meninas prostitutas servem ao tráfico de SP

GILBERTO DIMENSTEIN
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Há uma rede de meninas prostituídas em São Paulo utilizadas para vender drogas. Viciadas, elas recebem seu pagamento em crack (droga derivada e mais perigosa que a cocaína). As pessoas que tentam ajudá-las, em particular de movimentos ligados à Igreja católica, correm perigo e são frequentemente ameaçados de morte.
São Paulo reproduz esquema semelhante do garimpo da Amazônia, onde é prática comum a escravização de meninas. Na Amazônia, elas também são utilizadas por traficantes de drogas –lá existe proximidade com os centros produtores de cocaína.
Essa revelações fazem parte da maior investigação já produzida no país sobre prostituição infantil, comandada por uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Depois de nove meses de depoimentos e viagens, esta semana será apresentado à CPI o diagnóstico e as recomendações. Constatou-se que meninas de oito anos já estão vendendo o corpo.
A CPI é presidida pela deputada Marilu Guimarães (PFL-MS) –o relator é o deputado Moroni Torgan (PSDB-CE). A CPI foi criada com base nas reportagens da Folha sobre a escravização de meninas na Amazônia.
A deputada Marilu Guimarães disse que jamais imaginou que tomaria contato com uma realidade tão "assustadora e absurdamente cruel". Durante a investigação, descobriu-se, por exemplo, que uma menina, em um garimpo da Amazônia, teve a cabeça decepada por um garimpeiro. Motivo: ela recusou-se a fazer sexo.
No Rio de Janeiro, a CPI acabou se deparando com a protituição de meninos, denunciada pelo Núcleo de Orientação e Saúde Social. Estão envolvidos meninos de até 11 anos de idade. "Vários deles são encaminhados à prostituição pelos próprios parentes", indica o texto. As denúncias são, porém, raras. As testemunhas afirmam, em depoimentos sigilosos, que seriam mortas caso revelassem o nome dos agenciadores.
A violência é o traço marcante –e, inclusive, com a conivência ou participação da polícia. É denunciado que, em São Paulo, as meninas sofrem ataques de policiais civis, militares e de guardas metropolitanos. A CPI comprovou que, na Amazônia, há um envolvimento direto entre policiais e traficantes de meninas.
'Pornoturismo'
O Nordeste é apresentado como cenário do chamado "pornoturismo". Destacam-se, nesse comércio, suíços, franceses e alemães. "Há toda uma organização por trás disso", afirma o texto. Segundo a CPI, vendem-se pacotes turísticos na Alemanha que incluiriam uma passagem para o Brasil –e duas de volta. A passagem extra seria para levar uma prostituta.
Muitas dessas garotas viveriam na condição de escravas na Alemanha. "Alguns querem recuperar o dinheiro e as emprestam mediante pagamento para seus amigos. Outras acabam caindo nas mãos de gigolôs e não mais conseguem sair."
A CPI constatou que no Ceará os turistas estrangeiros alugam casa luxuosas, atraindo garotas. Usam-se também hotéis de cinco estrelas, a exemplo do que ocorre em Recife. Lá, a CPI obteve a informação de que o preço de uma adolescente utiliza como critério a ausência de seios ou pelos pubianos.

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