São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Cursos tentam "salvar" garçons de SP

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

O garçom traz um filé de peixe, quando você tinha pedido um de carne, mas ele diz, com segurança: "Foi o senhor que pediu errado". Você reclama com o maître, ele faz aquela cara de "isso nunca aconteceu aqui antes" e pede desculpas. Você faz que acredita, mas pensa: "Não volto mais aqui".
Não chega a ser um consolo, mas fatos como esse acontecem cada vez com maior frequência. Os três principais cursos de formação de garçons de São Paulo vão diplomar, ao longo de 1994, apenas 100 profissionais. Segundo o sindicato da categoria, só na Grande São Paulo há 17 mil garçons em atividade. "A maioria não tem nem noção do que é ser garçom", diz Aparecido Wolf Molitor, mestre em hotelaria e professor na "arte de bem servir".
"O problema é que, com essa crise, qualquer pessoa acha que pode ser garçom. O soldado da PM compra uma roupa e vai ser garçom. Não pode dar certo", diz Gilberto José da Silva, 47, vice-presidente da entidade que representa os garçons, o Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de São Paulo.
Por reconhecer que "faltam bons profissionais no mercado", como diz Silva, em agosto de 93 o sindicato resolveu montar um curso de formação de garçons. Já o sindicato das empresas –o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de São Paulo– reformulou o seu curso este ano, deixando-o com duração de um ano. O Senac, com quatro cursos trimestrais por ano, não dá conta da procura, que chega a seis candidatos por vaga (leia texto abaixo).
Não existe um perfil detalhado da categoria. Gilberto José da Silva estima que 80% dos garçons em atividade em São Paulo são originários da região Nordeste do país. Percival Maricato, presidente da Abredi (Associação dos Bares e Restaurantes Diferenciados de São Paulo), acha que esse percentual é próximo de 70%.
"É o primeiro emprego que o nordestino procura quando chega em São Paulo. Por causa da alimentação. Se não consegue, ele tenta a construção civil", diz Silva, que é baiano."Garçom não precisa de qualificação, não tem que ter diploma, recebe comida, uniforme e ainda ganha bem", diz Maricato.
O piso salarial da categoria em março é de 133,86 URVs (o equivalente, amanhã, a CR$ 107.828,00). Com gorjetas, dependendo do local de trabalho, o rendimento total pode ser mais que o dobro do piso.
As reclamações contra garçons são tantas e tão variadas que a Folha não conseguiu realizar uma enquete sobre os restaurantes onde há os piores garçons de São Paulo. Entre dez pessoas consultadas, sugiram dez queixas diferentes, para dez restaurantes diferentes.
"A culpa, em parte, é dos próprios donos de restaurantes, que reprimem a simpatia e o carisma dos garçons. O cardápio de um restaurante tinha uma salada de alface e uma de agrião, ambas com o mesmo preço. Pedi meio a meio. O garçom, enquadrado pela burocracia do restaurante, disse que não podia", exemplifica o crítico de gastronomia Josimar Melo.
"É preciso individualizar a queixa. Há bons e maus garçons. Mas também tem muito cliente despreparado para tratar com garçom", rebate Percival Maricato.

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