São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Um plano para salvar o Brasil, apesar de muito preocupante...

JOSÉ ROBERTO GRAICHE

Depois de tantas experiências amargas, imagino que eu e a grande maioria dos brasileiros podemos ver a luz no final do túnel. O plano do ministro Fernando Henrique Cardoso, ao contrário dos projetos anteriores, respeita, pela primeira vez, os contratos vigentes, reverenciando o ato jurídico perfeito. Também pela primeira vez, a população não foi pega de surpresa, despertando, no "day after" com uma cassação de impacto.
Analisando, porém, as transformações que serão impostas em nossa economia, particularmente em relação ao mercado de locação, não posso deixar de registrar um certo grau de preocupação. Tenho sérias dúvidas de que, com os contratos de locação monitorados em URVs, dificilmente haverá a entrada em nosso mercado de forma imediata de imóveis para alugar. E a justificativa é muito clara.
A partir de 15 de março, todos terão que contratar os aluguéis em cruzeiros reais, mas com valores expressos em URVs. No ato do contrato, locador e locatário terão de eleger um índice de correção anual, de acordo, aliás, com a periodicidade mínima estabelecida pela medida provisória, fato este de conhecimento geral.
Essa orientação se aplica a todos os tipos de locações, inclusive às propriedades que estavam liberadas em relação à legislação anterior, isto é, imóveis comerciais e residenciais novos. Dessa forma, apresenta-se o seguinte quadro: os proprietários que locarem depois de 15 de março terão sua renda atualizada em URVs até que ela seja substituída pelo real, fato previsto para dentro de no máximo 90 dias, quando virará moeda.
O que vai acontecer depois? Em outras palavras, o aluguel expresso em URVs vai virar real, ou seja, 1.000 URVs serão 1.000 reais. Esse valor permanecerá fixo, só podendo ser corrigido de 12 em 12 meses. O mercado de locação normalmente prevê contrato de imóveis residenciais com prazo de 30 meses para que o proprietário, se assim o desejar, possa usufruir dos benefícios da denúncia vazia. Com o novo plano estabelecendo correção apenas anual, o proprietário de um imóvel também ficará preso a essa forma de reajuste, haja ou não haja inflação.
Por isso, volto a indagar, manifestando minha preocupação: será que os proprietários de imóveis residenciais fechados vão, num primeiro momento, acreditar que a nova moeda não poderá ser corroída pela inflação? E se, mesmo não sendo corroída pela inflação, ao contrário de vezes anteriores, será que se manterá próxima do zero? Porque, se houver inflação acumulada, ao longo dos 12 meses, haverá perdas que poderão ser significativas para os proprietários. Por isso, acredito que, no primeiro momento, esses imóveis não serão colocados no mercado, só voltando na medida em que o proprietário constatar que o plano está dando certo.
Agora, se não der certo e a inflação recrudescer, ele estará amarrado por 30 meses, com uma correção anual pior do que a verificada presentemente com a semestralidade, que tantos prejuízos causa ao mercado e contra o qual, há muito tempo, todos nós nos debatemos na expectativa de conseguir a redução de sua periodicidade.
Hoje, os proprietários de imóveis são tão necessitados quanto os inquilinos, mesmo porque faz anos que se acabaram os latifundiários urbanos. Estes deixaram o mercado de longa data, mesmo porque, aluguel deixou de ser um negócio interessante, diante das leis vesgas que orientam o setor. Os remanescentes, como disse, precisam tanto do "dinheiro do aluguel" como os seus próprios inquilinos.

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