São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Arroz causa pânico no consumidor do Japão

"The Independent", de Londres

TERRY MCCARTHY

O caixa do supermercado Azuma, no centro de Tóquio, diz: "Nossos estoques de arroz acabaram meia hora depois que abrimos. Foi como na época da guerra, quando faltava comida. Incrível".
Não deixa de ser curioso ver os consumidores japoneses, cuja renda figura entre as mais altas do mundo, enfrentarem filas de horas apenas para comprarem sacos de arroz. Donas-de-casa vestindo casacos de caxemira fazem longas filas para comprar o arroz japonês, que elas temem que seja o último arroz "puro" disponível este ano.
Os estoques de arroz japonês estão acabando, e o público está sendo forçado a comprar arroz importado. As famílias japonesas ameaçam mudar sua dieta para não precisarem engolir arroz estrangeiro.
Os japoneses sempre ouviram que seu arroz é puro, possui uma alma e, em certo sentido, simboliza o próprio Japão. Todos os anos o imperador japonês participa de elaborados rituais de plantio e colheita do arroz, realizados no Palácio Imperial. O imperador se deita numa cama sagrada ao lado de uma cortesã, como símbolo do rejuvenescimento de sua alma e, portanto, da alma do país.
O arroz estrangeiro, em contraste, é tachado de impuro, coisa a ser evitada. Apesar do fato de os japoneses usaram mais pesticidas do que em qualquer outra parte do mundo, décadas de propaganda convenceram os consumidores de que o arroz estrangeiro é "contaminado" por produtos químicos.
Mas, com a colheita desastrosa de 1993 no Japão, a pior desde a 2ª Guerra Mundial, pelo menos 20% do arroz consumido no país terá que ser importado este ano. E sob as concessões feitas ao Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), o Japão não poderá voltar a fechar seu mercado de arroz.
Agora o governo japonês se vê na embaraçosa posição de ser obrigado a convencer os consumidores japoneses de que o arroz estrangeiro é aceitável. Semana passada, ministros foram filmados comendo bolinhos de arroz estrangeiro. Até mesmo o imperador, cujo poder mítico reside em sua capacidade de garantir uma boa colheita de arroz, já declarou que ele e sua família irão consumir arroz estrangeiro.
O público, porém, ainda não está convencido. Num grave erro burocrático, a Agência de Alimentação importou arroz de qualidade baixa da Tailândia, que foi rejeitado pelos japoneses. Os consumidores já estavam se acostumando ao arroz californiano, que é semelhante às variedades japonesas. Quando, na semana passada, o governo anunciou que o arroz estrangeiro teria que ser misturado ao nacional para que o produto não faltasse nos supermercados, o pânico irrompeu entre os consumidores japoneses.
Os últimos sacos de arroz japonês foram estocados como se fossem ouro em pó. O preço do arroz japonês de melhor qualidade, no mercado negro, subiu de US$ 46 para US$ 112 o saco de dez quilos.
Um dos principais motivos para se misturar o arroz é manter alto o preço médio do produto. O preço normal do arroz no Japão é dez vezes maior que o do arroz na Tailândia. O governo japonês está tendo um lucro enorme, importando arroz barato da Tailândia e vendendo-o a preços japoneses. Em outras palavras, os burocratas japoneses também são impuros.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Bomba em metrô mata 9 em Baku; Castradora é absolvida em LA; Roubadas obras de arte na Grécia
Próximo Texto: Polca abre uma crise em Wisconsin
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.