São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
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Fato menor, crise maior

Vai-se prorrogando a crise armada nos últimos dias entre os três Poderes da República acerca dos salários do Judiciário e do Legislativo. O Supremo Tribunal Federal, ao decidir ontem não aceitar o repasse de recursos feito pelo Executivo referente aos salários dos seus servidores, dá mais um passo no sentido de um acirramento do confronto entre os dois Poderes, o que, como é evidente, só pode tornar mais difícil a solução para a crise.
No âmbito do Legislativo, ainda há a perspectiva de que o Senado rejeite o aumento salarial decidido pela Câmara, o que amorteceria a tensão. Mas, no que tange ao Judiciário, não há desfecho a vista.
Em se tratando de uma crise que afeta as mais altas estruturas institucionais do país, de todo modo, o seu mero prolongamento já causa prejuízos e suscita considerável incerteza e insegurança na sociedade. Uma eventual manutenção do aumento no Judiciário, de fato, abriria margem para demandas semelhantes por parte de todo o funcionalismo, trazendo o espectro de uma bola de neve que poderia solapar todo o plano econômico e a chance de o país finalmente se estabilizar.
A proposta conciliatória apresentada ontem pelo presidente da Câmara caracteriza-se pela simploriedade. Em vez de fazer a conversão dos salários para a URV do dia 30 ou do dia 20 (o cerne da disputa entre os Poderes), a idéia seria fazê-la no dia 25, um meio termo em que cada parte cederia um pouco.
É o tipo de proposta que passa ao largo do fulcro da questão e, por isso mesmo, não leva em conta o aumento de gastos que a conversão no dia 25 (como no dia 20) significaria para o Executivo e, por extensão, para o contribuinte. A ser aceita, a proposta apenas reduz pela metade o prejuízo para o Erário, mas não o elimina. Em consequência, tampouco afasta os riscos para o plano de estabilização.
Essa é, aliás, a razão por que as decisões da Câmara e do Supremo provocaram tamanha indignação entre a população, cansada de arcar sempre sozinha com os custos de tentativas de ajuste da economia. A gravidade da crise atual, porém, pode agora extrapolar o aspecto econômico da questão –já bastante grave. Por mais incrível que possa parecer, uma disputa salarial, um fator menor, ameaça afetar o relacionamento e a harmonia entre os Poderes da República, a base institucional da própria democracia.

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