São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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O avanço do atraso

ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ

Enquanto acena para a sociedade civil com medidas rotuladas como avanços na revisão da Constituição Federal, o relator Nelson Jobim, por ingenuidade ou não, golpeia toda a nação com propostas que manifestam o poder Judiciário comprometendo o equilíbrio entre os poderes de modo a agravar a hipertrofia do poder Executivo.
Importante, saiba a opinião pública, que o tão propalado "controle externo" só o será de "fachada", porque a proposta do relator concentra este controle na cúpula do próprio poder Judiciário.
O mais grave, contudo, é que impõe antidemocrático controle jurisdicional e disciplinar a ser exercido pelo STF e tribunais superiores, acabando com a possibilidade de os juízes de instâncias inferiores darem contribuição à renovação da jurisprudência e de impedirem com presteza violações graves de direitos individuais. Explico: entre as medidas revisionais está adoção de "súmulas", ou extratos de decisões dos tribunais superiores, com efeito vinculativo para todos os juízes. Tais súmulas passarão a ter força de lei, mesmo que contrariem a lei, e terão de ser obrigatoriamente adotadas por todos os juízes enquanto o tribunal que a editou não a reformular. As cúpulas do poder Judiciário poderão, na prática, legislar.
Para que os cidadãos tenham noção da gravidade e do alcance dessa medida, informo que se já existisse tal vinculação obrigatória dos juízes às posições dos tribunais, não teria havido no Brasil a evolução que tivemos no reconhecimento dos efeitos do concubinato; continuaríamos tendo imóveis desapropriados sem depósito prévio de valor digno, próximo do real; os valores bloqueados no Plano Collor não seriam liberados.
Pretende o iluminado relator algemar o poder Judiciário, submetê-lo ao pior dos controles, que é o interno das cúpulas, estas sem qualquer controle, abrindo a possibilidade de se criar políticas casuísticas com a "espada de Dâmocles" erguida sobre as cabeças dos que ousarem contrariar posições carcomidas e questionar receitas prontas lutando para que o poder Judiciário funcione como serviço público.
Com quem debateu o relator suas propostas? A maioria dos juízes é contra esses retrocessos, mas sem grito de alerta é aposentado como corporativista. A sociedade civil tem sido mantida à margem disso tudo, como sempre.
Pagaremos todos as consequências dessas medidas descompromissadas com o interesse público, caso elas venham a se tornar regras constitucionais.

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