São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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As razões da crise

LUÍS NASSIF

Há uma série de fatores que contribuíram para a eclosão da atual crise institucional. O fator superficial foi ter-se dado a um presidente egocêntrico e sem discernimento –que transformou-se em objeto de chacota nacional, após os episódios do sambódromo– a possibilidade de se auto-afirmar, provocando uma crise institucional.
O fator essencial é que o tema bate fundo na alma do povo. Há uma revolta latente contra o processo de apropriação do Estado por diversos grupos organizados.
A falta de uma política disciplinadora na área de cargos e salários do setor público levou grupos mais organizados a se valerem de abonos e gratificações para negociar individualmente seus privilégios.
De outra parte, a questão da autonomia dos Poderes fundou-se em uma interpretação constitucional distorcida. A democracia consiste em um sistema sucessivo e recíproco de estabelecimento de limites aos poderes de cada grupo social.
Ao conferir autonomia para ambos os Poderes fixarem seus vencimentos, a Constituição defendeu-os da ação do Executivo, mas não estabeleceu nenhuma salvaguarda para defender os contribuintes da ação destes Poderes.
Sem moderação
Além disso, esta autonomia não foi utilizada com moderação. As informações sobre os abusos funcionais do Congresso, do Judiciário, as reações intempestivas do Ministério Público Federal, em defesa de suas verbas, tudo isto contribuiu para sedimentar a convicção de que o contribuinte não tinha como se defender destes Poderes. E aumentou a irritação de segmentos penalizados do serviço público –entre os quais, os militares– contra estes privilégios.
A ansiedade, em relação a este quadro, foi ampliada pela falta de perspectivas em encontrar-se solução rápida para este imbróglio institucional, dentro do quadro das forças vigente. Principalmente após o fracasso da revisão e as sucessivas demonstrações de insensibilidade dos parlamentares.
Sedimentou-se a convicção de que o país está refém do corporativismo das instituições –da classe política ao Judiciário. Em outras épocas, havia essa consciência, mas o país era menor que o esquema de poder vigente. Agora, ficou maior, mas não consegue romper com esta estrutura, porque está nas mãos dos beneficiários o poder de alterar ou não as regras do jogo.
A reação vem transbordando através de episódios sucessivos, que estão pipocando num crescendo, sem que estes malucos percebam. Primeiro, foi a reação contra Collor. O sistema político julgou que a sede de justiça tinha sido aplacada. Depois, estourou o escândalo do Orçamento. O Congresso entregou meia dúzia dos seus e julgou que estava tudo resolvido. Agora, estoura a crise do Judiciário –em cima de um mau argumento, saliente-se.
Vai-se continuar neste crescendo até que se rompa este círculo vicioso, por bem ou por mal. Se for por mal, os primeiros pescoços a rolar serão os da classe política –e com o aplauso da maior parte do país. Mais uma razão para que se movimentassem na busca de uma solução.
A única maneira plausível de romper este impasse será praticar uma reengenharia institucional, percorrendo o caminho que deveria ter sido trilhado, não fôsse obstado por Tancredo Neves –interessado em preservar o sistema de poder total para a classe política. Trata-se de levantar, agora, a bandeira da assembléia nacional constituinte exclusiva, juntamente com as próximas eleições gerais.
Os políticos profissionais se candidatarão a deputados, senadores, governadores e presidentes. Os representantes dos diversos segmentos da sociedade civil se candidatarão a constituintes.
Será a única maneira de impedir que o impasse atual leve a um impasse mais danoso –representado pelo fechamento das instituições.
FHC e a estabilidade
Eliseu Resende tinha ascendência sobre Itamar Franco. Bastou afastar-se por uma semana do país, para Itamar provocar uma crise aguda. Fernando Henrique Cardoso tem ascendência sobre Itamar. Afastou-se por uma semana do país e o presidente provocou a mais grave crise institucional pós-democratização.
Se FHC deixar o governo, vai ser difícil apostar que Itamar preserva o país –quando mais o plano.

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