São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 1994
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A Copa, os desejos e o beisebol brasileiro

BORIS FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em ano de Copa do Mundo, todo brasileiro que se preze acrescenta algo a seus desejos na passagem do ano: que eu arranje aquele emprego moleza, que a vizinha do lado repare no meu olho comprido, que o Brasil seja campeão do mundo.
Este último desejo está se tornando uma coisa dramática para as gerações mais novas e para as mais velhas. As mais novas têm um sentimento de inveja e ressentimento. Por que não temos o direito de fazer uma grande festa e recuperar, no campo de batalha, o combalido orgulho nacional?
As gerações mais velhas mal acreditam no que estão vendo. Depois da Copa de 70, parecia que tínhamos chegado ao milênio, mas de fato começávamos a entrar na fila de espera. Os velhinhos admitem, cada vez mais, que podem morrer sem ver o Brasil de novo campeão do mundo, o que provoca arrepios de angústia.
As coisas chegaram a tal ponto que já não faz sentido criticar a mania brasileira de valorizar o título e nada mais. No ponto a que chegamos, é forçoso reconhecer: só o campeonato redime. O resto não serve nem de consolo moral.
Dá ou não dá para ganhar? Acho que dá, mas não quero entrar neste terreno. Quero lembrar que se o Brasil não for campeão na próximas duas ou três Copas, corre o risco de conquistar um campeonato que, do ponto de vista da qualidade técnica, significará muito pouco.
Perda de qualidade
Não chego ao radicalismo de um filósofo uspiano, especialista em Wittgenstein e em 4-4-2, que afirma estarmos assistindo a uma grande mutação ainda não percebia claramente, pela qual o futebol, como espetáculo, está entrando em irremediável decadência. Mas, não há dúvida de que, no plano mundial, a qualidade do jogo caiu bastante.
Essa perda de qualidade tem muito a ver, no caso da Copa, com problemas organizatórios, dos quais o Brasil não é o grande culpado. O principal deles é o crescente desinteresse que os países da Europa estão revelando pela competição mundial.
Não faz sentido que, em ano de Copa, os calendários dos diferentes países permaneçam imutáveis, com jogos acirrados entre clubes que se prolongam até o mês de maio.
O resultado é vermos craque jogando sem condições físicas, contundindo-se a torto e a direito. como a Europa concentra os melhores jogadores sul-americanos, o problema acaba se refletindo também por aqui, como todo mundo sabe.
A guerra das cervejas e o oba-oba da mídia têm impedido que se constate plenamente o declínio de qualidade dos jogos da Copa. Vista com frieza, ela se compõe de um ou outro jogo interessante e de uma sequência de peladas, que não se comparam com um Ferroviária x Sãocarlense.
Ano 2050
Quem sabe o filósofo uspiano tenha razão. Nesse caso, quando a maioria dos vivos de hoje estiverem mortos, aí por 2050, a notícia de que o Brasil se sagrou campeão do mundo aparecerá espremida em um canto de página, esmagada pelas façanhas do hóquei sobre patins ou do beisebol patrício.
Por isso, é bom esquecer o emprego moleza, a vizinha do lado e concentrar tudo em um único desejo: a conquista do título, neste ano de 1994.

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