São Paulo, sábado, 26 de março de 1994
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O assassinato de crianças

ARNALDO NISKIER

Diretor da moda, com o seu notável "A Lista se Schindler", Steven Spielberg, se vivesse no Brasil, aqui encontraria cenário adequado para produzir outro épico do cinema, desta feita focalizando o genocídio dramático que se comete contra as nossas crianças. Não é só a morte que as ameaça, de modo permanente, na grande aventura das ruas, mas o crime cultural de que são vítimas, como se fosse fatalidade a ser inexoravelmente vivida e sofrida.
O quadro é aterrador, pois faltam escolas, sobram lares desfeitos, as atividades ocupacionais são escassas, o que existe mesmo é uma feroz irresponsabilidade, alimentada pela desídia governamental e por alguns adultos sem o mínimo caráter. O resultado só poderia mesmo ser a violência.
Não é consolo verificar que, sob esse aspecto, não estamos sós. Países ditos desenvolvidos vivem experiências também lamentáveis e quando entidades internacionais condenam de forma veemente o que se passa entre nós, como foi o caso da tragédia da Candelária (daqui a pouco fará um ano), pensamos se não seria o caso sugerir que elas fossem igualmente enérgicas na abordagem dos seus casos domésticos.
Ainda recentemente, tive a infelicidade de assistir a um documentário, em Londres, em que o mínimo que se procurou demonstrar é que vivemos num país de bárbaros, embora pouco depois o mesmo canal de televisão tenha dado guarida a um amplo noticiário sobre as violências cometidas pelo IRA (bombas, explosões, mutilações etc). Já se vê que a história de quem vai atirar a primeira pedra é muito relativa.
Estive nos EUA e, mais particularmente, em Nova York. Gosto, nessas ocasiões, por dever de ofício, de acompanhar o que faz a televisão norte-americana, especialmente na área do telejornalismo. A ABC, a CBS e a NBC dão verdadeiros shows de jornalismo eletrônico, numa antevisão do que será a "era da multimídia".
Tive minha atenção despertada por uma campanha intensa, desenvolvida por intermédio desses canais, e que se liga a um aspecto deplorável da sociedade mais rica do planeta: a violência contra crianças.
Parece incrível, mas o texto não deixa margem a dúvidas: entre os anos de 1979 e 1991, foram assassinadas nos Estados Unidos cerca de 50 mil crianças, a maioria por armas de fogo. Para se ter uma idéia do que isso representa, é um número dramaticamente maior do que os soldados americanos mortos na Guerra do Vietnã.
Por aí se vê que a violência é universal, não depende do regime ou da renda per capita dos países concernentes. É preciso registrar o fato, lamentar em toda energia, sobretudo em nosso caso, quando o governador Leonel Brizola chegou a imaginar a existência de uma organização paramilitar, encarregada desse deplorável assassinato científico de crianças.

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