São Paulo, sábado, 26 de março de 1994
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'Lúcio Flávio' denuncia crimes da polícia

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Filme: Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia
Produção: Brasil, 1977, 120 min.
Direção: Hector Babenco
Elenco: Reginaldo Faria, Ana Maria Magalhães, Milton Gonçalves
Onde: hoje, às 21h30, no Espaço Banco Nacional de Cinema - Sala 3 (r. Augusta, 1.475, Cerqueira Cesar)

O Esquadrão da Morte foi um dos subprodutos mais indesejáveis do regime militar no Brasil. Esses grupos de extermínio formados por policiais tentavam passar para a população a idéia de que, com métodos radicais (isto é, a matança de supostos marginais), seria possível eliminar a criminalidade.
"Lúcio Flávio", o filme de Hector Babenco, trata desse fenômeno, a partir da história de um bandido "consciente", que seria vítima da polícia e se manifesta contra seus métodos.
Babenco, diretor nascido na Argentina, pode ser considerado o mais hollywoodiano dos cineastas brasileiros (já que sua obra nasce e se desenvolve no Brasil, em torno de problemas brasileiros). Tem, mais do que ninguém, a capacidade de isolar as questões de que trata dentro de uma perspectiva em que bem e mal se opõem claramente (dado central no cinema clássico de Hollywood).
Vêm daí os méritos e limites de seu filme. "Lúcio Flávio" apresenta-se como uma denúncia dos métodos "mágicos" de solução dos problemas e procura mostrar como a mentira, o autoritarismo, a tortura e mesmo a corrupção acabam sendo o fundamento dos esquadrões da morte. Sem contar que o assassinato, mesmo que de bandidos, nem por isso deixa de ser crime, com a agravante de estar acobertado pela instituição.
Disso o filme dá conta, praticando uma espécie de inversão em relação ao molde convencional: o bandido passa a herói, enquanto a polícia encarna o mal. O método é claro e boa parte do êxito do filme deve-se a ele.
No entanto, podia-se questionar já na época seu valor didático. A quem se dirige "Lúcio Flávio"? Apenas àqueles que, antes mesmo de entrar no cinema, já acreditam no que o filme reafirma.
Quando opta por leva à tela um "mocinho" exemplar, Babenco passa de raspão pela questão policial e deixa de trabalhar a crença da população em soluções "mágicas", do tipo extermínio de criminosos, reais ou supostos.
Suprime uma aparência –a de que a ordem se garante através da concessão de poderes ilimitados à polícia– mas institui outra: a de que somos todos inocentes face a um poder ditatorial.
Dissociar o espectador da realidade que o circunda pode ser confortável, mas está longe de dar conta da complexidade da situação. Isso vale para a época e também para hoje.(Inácio Araujo)

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