São Paulo, sábado, 26 de março de 1994
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Bethânia mostra só a voz em novo show

JOÃO MÁXIMO
DA SUCURSAL DO RIO

A comparação é inevitável. O show que Maria Bethânia estreou anteontem no Canecão, zona sul do Rio, é ótimo exemplo de como uma grande cantora deve dividir suas canções com o público: cantando diretamente para ele, olhos nos olhos, sem intromisões estranhas, enquanto no de Gal Costa, já a caminho do interior de São Paulo, essa relação se dilui por conta de efeitos especiais que volta e meia deixam sua voz em segundo plano.
No palco, Bethânia é tudo: a estrela, o cenário, os efeitos especiais. Neste recital, mais do que no comemorativo dos 25 anos de carreira, estreado há três anos, ela se reafirma como uma grande dama dos palcos musicais. O que Gal também é. Só que o show de Bethânia, corretamente dirigido por Gabriel Vilella, a partir de idéias e sugestões da própria cantora, ressalta tal fato. Não foi por acaso que ela foi obrigada a voltar à cena duas vezes, aplaudida por uma platéia emocionada.
Bethânia é isto: uma intérprete que exerce pleno domínio sobre sua audiência. Um domínio que também não se faz por acaso, pois desde a escolha do repertório até os dois "encores" do final ("Ronda" e "Emoções"), tudo ali parece pensado.
Primeiro, o repertório. Alternando nove números de seu último disco (todas de Roberto & Erasmo Carlos), com pérolas do irmão Caetano, Milton Nascimento, Ary Barroso, Chico Buarque e Gonzaguinha, e mais algumas surpresas descobertas por ela numa nova geração baiana, Bethânia mostra que, em sua voz, todas as canções se tornam irremediavelmente boas. É a marca da grande intérprete, da excepcional baladista que faz com que seu público acredite em tudo que ela canta, sejam os versos de "Genipapo Absoluto", sejam coisas como "Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo". Não há como duvidar.
O show é dividido em duas partes e, cada parte, em cinco ou seis blocos temáticos. Na primeira metade (Bethânia vestindo um longo gelo com enfeites coloridos), ela parte da indefectível "Fera Ferida" para "Fé Cega, Faca Amolada", antes de entrar no bloco de Caetano, voltar a Roberto & Erasmo e, por fim, levantar a platéia com três disparos certeiros: "Ronda" (de Paulo Vanzolini), "Fogueira" (de Angela Rorô) e "Eu Velejava em Você" (de Góes e Eduardo Dusek). Nesta última, a intérprete se entrega por inteiro, seduzindo a platéia a cada repetição da frase do título, à qual imprime a dose certa de sensualidade.
A partir daí, Bethânia tem o público nas mãos. De tal forma que, na segunda parte (já com um longo azul claro), ela faz com que os que lhe estranharam o último disco se convençam de que, na sua voz, Roberto & Erasmo estão à altura de Caetano e Chico. E também de Gonzaguinha, cujo "Explode, Coração" foi, talvez, o grande momento da noite.
Bethânia está no auge. Domina sua arte de tal modo que, traída pela memória em "Bárbara", transforma o lapso numa encantadora confissão ("Esqueci a letra..."). E faz isso rigorosamente dentro do tom e andamento da música. O Canecão exulta. Como exulta também quando ela encerra com "Todo o Sentimento" e "Emoções" nivelados por sua força de intérprete.
Mas nem tudo foi tão perfeito. Os arranjos por trás de Bethânia, criados pelo violonista Jaime Alem (o mesmo de seus últimos e excelentes discos) e executados por uma banda de 11 músicos, nem sempre soam adequados. Em algumas passagens, estão pesados demais, menos para cellos do que para sopros e percussão (o que o tonitruante sistema de som da casa contribui para exacerbar). Nesse ponto, o show de Gal ganha longe.

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