São Paulo, sábado, 26 de março de 1994 |
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Cenas do festival mostram banalidade do mal
MARCO CHIARETTI
Feirabend filmava em pé, com uma câmara portátil. Estava há poucos metros dos personagens. Montou as cenas de acordo com uma concepção idílica, como se estivesse em um piquenique. Não há empostação nem retoques. Hitler faz a saudação nazista com um desdém próximo à afetação. O braço é levantado com cansaço, como se a repetição o deixasse enfastiado. O plano das cenas deixa Hitler na mesma altura do espectador. Não há solenidade, só o desenrolar quase patético de um filminho familiar, impressionante pela vivacidade das cores e pela tragédia que todos sabem que virá. "Bom Dia, Senhor Hitler" mostra a banalidade do mal. Nas poucas cenas documentais que o Channel Four incluiu, aparecem alguns fotogramas em preto-e-branco feitos a partir das diretrizes estéticas do partido. O documentário glorifica Hitler. O braço direito aparece estendido. A saudação é firme, segura. O festival, que no filme de Feirabend, aparece como uma sucessão de fragmentos sem sentido, imagens de um carnaval de província pobre, com carros alegóricos sem graça, faixas coloridas pregadas na hora, figurinos ridículos, no documentário nazi é visto "de cima". Há uma grandeza solene e terrível, uma sensação de conjunto, de ordem, de liderança. Spielberg também filmou sem cor. Parte da tragédia dos judeus na história é trazida pela ausência de cor. Ao mesmo tempo, dá-se o tom documental que o filme pretende. Mas, o filminho familiar de Feirabend é mais terrível. Não há margem para catarse, não há desculpa. Só o silêncio das imagens e a contemplação dos assassinos sorrindo. Se há um retrato do mal, o filme caseiro de um amador alemão chegou bem mais perto dele. (Marco Chiaretti) Texto Anterior: O que foi o nazismo Índice |
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