São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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O riso, e não o céu, é o limite dos astronautas brasileiros

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

A idéia de um brasileiro no espaço soa tão estapafúrdia que nenhum dos nossos escassos autores de ficção científica ousou criar um herói aborígene para competir com John Carter, Flash Gordon & cia. Ninguém acreditaria nele, muito menos se viajasse num foguete "made in Brazil", batizado de Santos Dumont, Caramuru, Buscapé ou qualquer coisa assim. Tivemos, nos áureos tempos do rádio, anos 40 e 50, sucedâneos de agentes da lei cosmopolitas (o Anjo), caubóis aclimatados ao sertão mineiro (Jerônimo) e caçadores inspirados em Jim das Selvas (Capitão Atlas) –carbonos exequíveis do imaginário estrangeiro–, mas aventureiros intergaláticos, só mesmo em patacoadas onde o riso, e não o céu, era o limite.
Até os chineses foram mais audaciosos que nós. Quando faltavam cinco séculos para a invenção do avião, criaram Wan Hoo, um Ícaro oriental que se amarrava-se a uma cadeira incrustada de fogos de artifício e se mandava para a estratosfera. Os chineses não tiveram um Santos Dumont, mas inventaram a pólvora, base do combustível utilizado por Wan Hoo, tido, aliás, como o modelo no qual Cyrano de Bergerac se inspirou para criar o protagonista de "L'Autre Monde", quando faltavam quase três séculos para o "mais pesado que o ar" alçar vôo.
Os romances de Jules Verne e H.G. Wells encantaram diversas gerações de brasileiros, mas nem por isso os seus discípulos nativos os seguiram ao pé da letra. Na Lua e em outros planetas só conseguimos pisar levados por sonhos, devaneios, delírios, ou então pegando carona em alguma cosmonave adventícia. Assim foi no romance "A Liga dos Planetas". E também numa história em quadrinhos de Max Yantok e nas duas ou três comédias cinematográficas espaciais aqui produzidas quando os russos lançaram ao espaço o Sputnik.
Relíquia da literatura "pulp", descoberta há quatro anos pelo escritor Bráulio Tavares num desses sebos de calçada, "A Liga dos Planetas" talvez tenha sido o primeiro romance brasileiro de ficção científica. Publicado em 1921, seu autor, o gaúcho Albino José Ferreira Coutinho (1860-1940), não se esforçou para fazer dele um clássico. Seu herói é um carioca, convocado pelo presidente (Epitácio Pessoa em pessoa) para entrar em contato com os habitantes de outros planetas e formar, em bases planetárias, um arremedo da recém-criada Liga das Nações.
As custas do erário, o protagonista construía um foguete –ou melhor, um "aeroplano", à base de alumínio–, viajava até a Lua, Vênus, Marte, vivia toda sorte de emoções, inclusive uma guerra interplanetária, prova de que a Liga não passava de uma utopia. O fato crucial, porem, é que todas aquelas peripécias não aconteciam de verdade, eram sonhadas pelo personagem, enquanto dormia numa pensão do bairro do Catete.
Também foi a bordo de um sonho que Carlos e Jorge, dois mecânicos chutados de uma fábrica carioca, deixaram a Terra por alguns dias numa história em quadrinhos de Max Yantok, intitulada "Do Rio a Marte" e publicada pela revista "O Capitao Z", em outubro de 1959. Um disco voador marciano, que aterrissara na Pedra da Gávea, os conduzia até seu planeta de origem, onde os dois pitorescos operários se deslumbravam com o avanco tecnológico dos anfitriões e tentavam introduzir o samba.
Em samba, sim, somos uma Nasa. Na chanchada "Carnaval em Marte", dirigida por Watson Macedo em 1954, davam com um jarro na cabeca de Violeta Ferraz, ela desmaiava e sonhava que era a rainha do carnaval em Marte. Cinco anos mais tarde, o primeiro satélite soviético cairia no quintal de Oscarito, em outra comédia, "O Homem do Sputnik". Mas, pelo visto, nem para reles pouso de engenhos cósmicos tínhamos vocação, pois no final do filme se descobria que o suposto sputnik nada mais era que uma bola de metal que despencara do telhado vizinho.
O russos ainda lideravam a corrida espacial quando, no início da década de 60, Golias e Grande Otelo entraram em órbita. Claro que numa chanchada, "Os Cosmonautas" –onde mais podia ser? Golias chamava-se Gagarino, gozação no cosmonauta soviético Yuri Gagárin. Não me lembro se ele e Otelo se empenhavam em introduzir o samba em outro planeta, idéia fixa que ainda perdurava no carnaval de 1970, quando João Roberto Kelly, influenciado pelo feito da Apolo 9, compôs o samba "Mangueira na Lua". Mais um sonho. O dinheiro nunca deu. A Lua, para nós, é só dos namorados, dos poetas e dos avoados.

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