São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994 |
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'Nenhum homem é uma ilha'
FERNANDO GABEIRA
A Ilha era mais que uma prisão, era um desterro. Viajávamos no porão do barco, rescendendo a cebola e a batata e os guardas nos olhavam do convés apontando as metralhadoras Ina para nossas cabeças. Como era bonita a paisagem verde e azul, vista da montanha. O velho caminhão sacolejava na estrada de terra e nós nos perguntávamos se não era pior estar preso num lugar assim, se a proximidade de uma beleza tão fulgurante não aumentaria nossa dor. No princípio dos 70, muitos de nós diziam: um dia esta prisão será fechada e aqui surgirá um hotel. A previsão se cumpre. Não pensávamos num hotel ecológico, nem um cinco estrelas. Afinal, éramos comunistas e sonhávamos com uma colônia de férias de trabalhadores. Nem tudo saiu como se pensava. Paciência. Muito se escreveu sobre a Ilha. Graciliano a eternizou. Mas é no livro de William da Silva Lima, o intelectual do Comando Vermelho, que aparecem seus grandes heróis, o preso comum. O livro se chama "Quatrocentos Contra Um". Fala da língua própria da cadeia, o congo. No congo, Jupira quer dizer "de todos". William e seus companheiros um dia fugiram da Ilha e compraram uma lancha especial para garantir a fuga dos outros. O nome do barco era Jupira. Neste fim de semana, uma Jupira carregou todos pelos mares. Não para a liberdade, como sonhavam. Paciência. Afinal, a Ilha foi e será uma grande lição de paciência. Texto Anterior: Ilha Grande troca presídio por hotel Próximo Texto: Mistura de presos gerou o CV Índice |
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