São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
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Rei brasileiro é muito admirado no mundo

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sábado acabou a luz no bairro, e quando voltou, como sempre, de supetão, volta comemorada pelas crianças na rua com "aleluia...", a secretária eletrônica deu tilt, os relógios digitais piscaram, o freezer sacolejou e a TV deu sinal de vida, como mágica, no apito do juiz que iniciava mais uma "transmissão via satélite". A imagem foi se revelando, dois uniformes, um azul e outro canário, e, não era possível! Sim, são eles, contra a Itália, na histórica final de 1970!
Era a primeira vez que revia o jogo completo e em cores: muitos teens não sabem, mas havia poucas TVs coloridas no Brasil de 1970, que ficavam em exposição em feiras e lojas sofisticadas, onde a massa se acotovelava para ver tal maravilha, e os que não queriam esperar o barateamento do produto, colavam um acetato com três faixas coloridas sobre as telas de suas TVs P&B.
Me deu um frio na barriga, e tudo que se refere a essa época me dá frio na barriga, ao lembrar da "minoria alucinada", como a imprensa chamava os que partiram para a luta armada, com quem minha família e muitas outras se envolveram.
Lamarca acabara de romper o cerco no Vale do Ribeira. Gabeira e o médico que fez uma cirurgia plástica em Lamarca assistiram aos jogos na prisão, graças a uma televisão emprestada pelo traficante "Zé do Pó". O embaixador alemão fora sequestrado, e assiste aos primeiros jogos no esconderijo.
Numa nota do Ministério do Exército, publicada pela imprensa nos primeiros dias da Copa, "Pelé, Brito, Clodoaldo, Rivelino e outros craques lamentaram que mais traidores e criminosos venham quebrar a tranquilidade e entusiasmo da seleção. Lamentaram que os terroristas, a serviço dos países comunistas, tentem com atos criminosos atingir um país amigo".
Mas Pelé fez um gol de cabeça, tem outro anulado, dá o passe para outros dois, cava faltas e quase convence o juiz a expulsar um italiano. Impressionante como, durante a partida, os italianos falavam com Pelé: pediam conselhos? Impressionante como Pelé catimbava, e levava o juiz na conversa. Impressionante a postura do rei, que acudia todos os jogadores caídos, inclusive italianos.
No apito final, os italianos, humilhados pela goleada, foram pro vestiário? Não. correram atrás de Pelé, junto com miguelitos alucinados, para pedir uma lembrança. O país que não conhece seus poucos heróis teve um grande rei.

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