São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
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Programas: de partido e de governo

FLORESTAN FERNANDES

Nas sociedades industriais e pós-industriais o controle do poder constitui uma técnica social para preservar, reformar ou subverter a ordem. Sob a propriedade privada, o capital, o mercado e o trabalho surgiram contradições antagônicas, que puseram os partidos no centro das relações entre as classes sociais, o poder especificamente político e o destino da ordem.
Se as classes dominantes dispõem "ad libitum" do controle do poder, os partidos têm existência meramente convencional. Em situações contrárias, aparecem como instituições-chave. Encarnam ideologias, utopias e movimentos sociais conflitantes em nível conjuntural e estrutural. Essa probabilidade marca a evolução recente do país, especialmente de 1945 para cá. O elemento diferencial saliente da cena histórica foi e continua a ser o aparecimento e a consolidação de partidos de contestação operária e de setores radicais da sociedade.
Em contraste com a cultura política tradicional, tais partidos tiveram poucos vínculos com os procedimentos políticos institucionais do passado. Voltaram-se para a sua organização, a elaboração de programas com alvos imediatos, de médio alcance e finais, a ramificação por todo o país, através de movimentos que afetavam os de baixo e exacerbaram suas frustrações etc. Em correlação com os sindicatos, anteriores no tempo e no desempenho de suas funções, projetam simultaneamente nas lutas sociais e políticas todos os seus alvos nucleares. Explicitam as múltiplas exigências de seus programas, sem estabelecer prioridades políticas estratégicas ou "sine qua non" para sair do isolamento relativo.
Os programas de governo são mais circunscritos. Eles dependem do partido e de suas circunstâncias. A questão não é tão delicada na eleição de parlamentares. Quando se trata, porém, de eleições governamentais (como sucede com o PT na sustentação da candidatura Lula), os programas se superpõem. O programa de governo deve fundar-se no programa do partido. Mas de modo flexível e historicamente determinado. O governo destila as conexões possíveis, por sua curta duração, pelas limitações de sua base econômica, pelo grau de gravidade dos dilemas sociais, pelas seleções que se tornam imperativas nas relações entre meios e fins etc.
Isso pressupõe que o programa de governo secrete prioridades que sejam vitais para o partido, definam seu modo de governar e persistam na escala das práticas governamentais inovadoras. Se um partido operário e socialista ocupa o poder pela via constitucional, ele se condena a oscilar entre mudanças sociais reformistas e revolucionárias (ainda que nos "limites da ordem").
São inócuas largas transcrições do conteúdo de seu programa. A ruptura histórica e a instauração de uma ordem nova ocorrem como processos concretos na interação entre governo, partidos coligados e sociedade civil. É o que aprendemos com o exemplo do Chile. O programa de governo, todavia, não "conquista vitórias". Elas procedem da capacidade combativa dos de baixo e dos setores radicais da nação, dos quais partidos inconformistas e governo são instrumentos de ação coletiva.

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