São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 1994
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O nosso futebol oscila entre dois estilos

BOB FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Santos e Bragantino há dois domingos. No campo do Braga, o Marcelo Steffani. A torcida se divertiu, gargalhou. Eu, como torço para os dois alvinegros, a cada gargalhada da escassa platéia, me lembrava dos adjetivos prediletos do locutor Haroldo Fernandes, da Rádio Tupy dos anos 70,: Grotesco, ridículo, estapafúrdio.
Dusan Draskovic chegou ao Brasil como um revolucionário do futebol. Um grande estrategista. Já podemos afirmar que é apenas mais um da estirpe zagaliana. Neste patético domingo, o 10 do Braga era um zagueiro.
Voltarei ao passado para falar do futuro, nestes dias em que o futebol verde-amarelo oscila entre dois estilos, duas maneiras de jogar personificadas em três senhores. Um é Telê Santana. Os outros são o Parreira e seu alter-ego, Zagalo.
A eventual vitória do estilo Pagalo-Zarreira não fará bem à nossa bola. Lembrai-vos do pós-70.
Pelé, Gerson, Tostão e Cia ganharam a Copa. Mas, por conta daquela vitória, até a Copa de 78 nos vimos obrigados a suportar os Valdomiros, os Alfredo Mostarda, os Chicãos. Com o Falcão assistindo em casa.
O Santos e Braga do outro dia, mais do que uma partida, foi uma parábola.O Leão da Zona, como é conhecido o Braga, jogou com duas linhas de quatro zagueiros. Não deu meia dúzia de chutes ao gol em 90 minutos. Do outro lado, o Santos jogava contra sua história. Na ausência da bola, restou aos Deuses do Futebol provindenciar circo para a platéia.
Sendo os dois centroavantes figuras absolutamente decorativas, tramou o destino para que terminassem a partida jogando no gol. A cada ataque, e grande defesa, a torcida não aplaudia; gargalhava.
Edinho, o (bom) goleiro-filho-do-Rei, é expulso aos 40, por empurrar um gandula. Ao torcida não vaia. Gargalha. Na cara do gol, o atacante do Santos chuta. Para fora do estádio. Mais gargalhadas.
Naquele dia, os torcedores de Bragança foram para o estádio carregando na memória, nas conversas de pai ou avô para filhos ou netos, a história de um outro Santos e Bragantino. Nos idos de 66.
Ver o Santos valia qualquer coisa. Valeu fugir de casa, aos 10 anos de idade, pular o altíssimo muro da casa à Rua Santa Madalena, 64, e pedir pelo-amor-de-Deus para o vendedor de picolé, herói dali por diante, me enfiar dentro do estádio como se fosse seu filho. Valeu o castigo de não ver mais jogos do Braga.
O estádio superlotado, gente pendurada nas torres de iluminação. Toninho Guerreiro, Coutinho, Pelé e Pepe. Os gols se sucedendo. Dois de Pelé. Dois do Braga. Aos 43 do segundo tempo, rebú na área.
Copinho, o vigilante rodoviário e comentarista nas horas vagas, pergunta para Tutu Maria, o carteiro da cidade e repórter de campo aos domingos: "O que houve Tutu Maria?" Tutu, desatento, arranca a única gargalhada da torcida naquela tarde de tensão e frenesí: " Aqui ouve a Rádio Bragança ZYM9".
Sequência da jogada. Zito Bate a falta. Pelé mata no peito. Gira o corpo ao mesmo tempo em que desloca o zagueiro com uma cotovelada no rosto. Quando o goleiro Darcy voa, a bola já está na rede. Pelé soca o ar pela terceira vez. Silêncio no estádio. O juiz apita o final do jogo. Não há risos, não há as gargalhadas de 28 anos depois. Há lágrimas. E um estádio, de pé, aplaudindo o futebol.

Hoje, excepcionalmente, não publicamos a coluna de Matinas Suzuki Jr.

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