São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 1994
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'Como Agarrar' perde graça na tela pequena

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Não tem saída: a televisão é o túmulo do CinemaScope. Ainda que recauchutados com cirurgia eletrônica, os filmes em CinemaScope perdem no vídeo o seu maior trunfo, a espetaculosidade. Uma coisa foi ver "Como Agarrar um Milionário" nas telas adequadas, 40 anos atrás, outra é vê-la (ou revê-la) em videocassete. Se na época, o filme já era boboca, imagine agora, telemurchado.
A primeira perda é sonora, pois a comédia de Jean Negulesco –a segunda produção da Fox naquele formato– possui uma abertura algo solene, com quase seis minutos de duração, na qual Alfred Newman, a batuta número um da Fox, rege uma célebre peça musical de sua autoria, intitulada "Street Scene". Por mais sofisticado que seja o seu aparelho de videocassette, não se iluda: no cinema, o pequeno concerto de Newman possuia uma sonoridade incomparavelmente superior.
Embora tentasse reproduzir musicalmente a azáfama urbana de Nova York, ele nada tinha a ver com as agitações do filme em si. Foi apenas um pretexto para embasbacar os curibocas daqui e de outras paragens com os sortilégios da estereofonia.
Aliás, tudo em "Como Agarrar um Milionario" era embasbacante –ao menos para o espectador classe média. Recintos suntuosos, jantares grã-finos, casacos de pele e limusines, um mundo de luxos e fantasias que só muita grana pode comprar. Para entrar nele pela porta mais segura, uma modelo esperta (Lauren Bacall) alugava um apartamento em Sutton Place, um dos pontos mais chiques de Manhattan, com duas amigas (Marilyn Monroe e Betty Grable), e soltava a franga. Para arcar com as despesas do aluguel e das iscas para pescar solteiros endinheirados, o trio passava na gaita até a mobília. Apenas uma delas, justamente a autora do plano, conseguia fisgar um ricaço.
Sem saber, é claro, que ele (Cameron Mitchell) nadava em cifrões. Afinal de contas, a moral das comédias do gênero é sempre a mesma: o amor vale mais que o dinheiro.
Desde 1925, quando na primeira versão de "Três Moças Sabidas", Joan Crawford, Constance Bennett e Sally O'Neill montaram um esquema parecido para caçar celibatários, que a história se repete, mudando apenas o elenco e a cidade –às vezes nem isto. O próprio Negulesco dirigiria outra cinemascópica comédia, "A Fonte dos Desejos", com três americanas casadoiras à cata de maridos na Itália. Pobre Negulesco, começou lá em cima ("A Máscara de Dimitrios", "Três Estranhos", "Acordes do Coração", este volta e meia exibido pela Manchete) e terminou lá em baixo, confeccionando abobrinhas para a Fox.
Com todo respeito a Bacall e William Powell, impecáveis como sempre, quem rouba a cena é Marilyn, impagável como uma loura burra, sonsa e míope, que por vaidade não usa óculos em público e vive dando trompaços em portas, paredes e até mesmo em eventuais pretendentes. Suas gafes verbais não são menos engraçadas. O que mais se podia esperar de uma garota que adotou o pseudônimo de Pola Debevoise e pensa que Cadillac é o nome de uma família que enriqueceu fabricando automóveis?

Vídeo: Como Agarrar um Milionário
Direção: Jean Negulesco
Elenco: Lauren Bacall, Marilyn Monroe e Betty Grable
Lançamento: Abril Vídeo (tel. 011/832-1555 ramal 226)

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