São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 1994
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Cadáver ilustre anima manhãs londrinas

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Um "teenager" americano foi preso outro dia em Cingapura, fazendo a mesma coisa que teens gringos e brasileiros fazem todos os dias do ano, sem maiores consequências.
Ele havia passado uma noite divertida enfeitando alguns carros escolhidos a esmo com tinta spray e ovos. Ele também estava de posse de algumas placas de sinalização de trânsito e bandeiras de Cingapura. Esses artigos haviam sido deixados sob seu cuidado por outro jovem amigo, que sumira antes da chegada dos tiras.
O teen, um certo Michael Peter Fay, tem 18 anos. Quando ele se confessou culpado dos delitos de que o acusavam, o juiz de Cingapura o condenou a quatro meses na cadeia local, uma multa de US$ 2.200 e seis chibatadas com uma vara de junco.
A república de Cingapura é um lugar limpo e ordeiro. É contra a lei mascar chicletes ali, pois eles têm o desagradável costume de grudar nos sapatos dos cidadãos. Comportamento anti-social é uma coisa que simplesmente não é tolerada na extremidade sul da península malaia.
O castigo por chibatadas é uma forma tradicional de castigo, no qual um especialista em artes marciais açoita as nádegas nuas do infeliz com uma vara de meia polegada de grossura.
Costuma doer muito e frequentemente rompe a pele do castigado. Na Inglaterra, onde foi abolido em 1948, as pessoas que sofriam as chibatadas frequentemente desmaiavam depois dos primeiros golpes.
Parece que trancar criminosos na prisão não funciona nem na Inglaterra, na Gringolândia ou no Brasil. Enviá-los para penitenciárias podres ou para as ainda mais insidiosas Febens da vida obviamente não parece ter qualquer efeito, exceto elevar o nível de habilidade dos transgressores.
O Brasil parece não estar sequer levemente interessado em atracar-se com o problema fundamental, que é moral, econômico e educacional. Enquanto a sociedade parece estar preocupada em manter sua prole querida em escolas particulares para que possam aprender a utilizar melhor a Lei do Gerson, ela desvia delicadamente seu olhar da onda crescente de violência descontrolada nas ruas.
O açoitamento possui o valor de satisfazer o direito da sociedade a vingar-se daqueles que a ofendem. Com certeza é menos cruel do que a internação em presídios brasileiros. E é uma solução elegamente adequada à pobreza econômica do Brasil, já que é barata.
A Grã-Bretanha serve de exemplo interessante. Quando o açoitamento foi proibido, 45 anos atrás, cerca de 6.000 crimes violentos eram cometidos por ano no país. Depois que os sociólogos, tão em voga, colocaram em ação suas teorias modernas, os resultados foram fascinantes. Hoje, os comandos vermelhos britânicos são responsáveis por 8.000 crimes violentos a cada duas semanas.
Uma aplicação cuidadosamente controlada e meticulosamente rígida do castigo corporal poderia ajudar em muito a tirar o prazer fácil da atual visão que o criminoso tem da vida, na qual o crime compensa, sim.
Mais um detalhe apenas: vamos evitar a discriminação sexual. As mulheres devem ser iguais aos homens perante a lei.
E talvez o Brasil pudesse começar a pensar com um pouco mais de clareza.
Vocês que estiveram fora, passando um fim de semana em outro planeta, saibam que a queda britânica por escândalos sexuais continua a todo vapor.
Depois de encontrar um deputado bem aparentado, porém pouco conhecido morto na cozinha de seu apartamento, com um saco plástico em cima da cabeça, uma laranja enfiada na boca e vestindo apenas um par de elegantes meias femininas, a mídia inglesa deu início a um frenesi tresloucado de baixarias explicitamente escritas. Ela não precisou esperar muito para que um peixe ainda maior caísse em sua rede.
A boa e velha hipocrisia britânica em relação ao sexo voltou aos jornais do país. Na semana passada, ela arrancou um escalpo ainda maior. Desta vez, pertencia ao chefe do Estado-Maior e marechal da Real Força Aérea, Sir Peter Harding.
A infração cometida por Harding foi simples e direta, o tipo de coisa que todos nós fazemos de vez em quando. O marechal, que é casado, se deixou seduzir pelos exuberantes encantos de uma senhorita interessantemente vestida, chamada Srta. Bienvenida Perez-Blanco.
Não há muito a dizer sobre a srta. Benvinda, exceto que ela afirma ter ascendência real espanhola, tem por volta de 35 anos, veste-se como adolescente e tem tesão por cavalheiros influentes, 30 anos mais velhos do que ela.
Em pouco tempo a srta. P-B, interessada em equilibrar seu orçamento pessoal, havia fisgado o chefe do Estado-Maior. Isto feito, ela levou suas cartas íntimas de amor ao "Sunday News of the World".
O jornal evocou a "segurança nacional" para justificar sua invasão da vida privada do marechal. A senhorita ficou com o dinheiro e o marechal demitiu-se de seu alto cargo.
Os jornais britânicos estão se transformando profundamente em função de uma queda constante no número de leitores, exacerbada pela longa recessão.
Sexo vende jornais e sexo nas altas esferas vende ainda mais. Nos bons velhos tempos, os grandes jornais como "The Guardian", "The Telegraph" e "The Times" colocavam matérias escondidas sobre sexo em suas páginas internas, ao lado das notícias diárias dos tribunais.
Quando esta história veio a público, o "Telegraph" colocou o pobre Sir Peter e sua amada na primeira página e em cores. Depois, publicou um editorial sério, criticando o "jornalismo de sarjeta" praticado pela concorrência.
A Inglaterra e o Brasil têm mais coisas em comum do que se poderia pensar à primeira vista. Ambos adoram histórias escabrosas sobre transgressões sexuais e seu desprezo pelo establishment governante nunca foi maior do que agora.
Enterros básicos
Nestes tempos difíceis, todo mundo procura meios de reduzir despesas –até mesmo na indústria da morte. Já começou a caça a alternativas mais baratas e menos caras ao papa-defunto tradicional.
Uma opção que parece não ter sido levada em conta, mesmo pelos verdes ecologistas, é a idéia do faça-você-mesmo. Isto é curioso quando se considera o impacto potencialmente enriquecedor da transformação ecologicamente positiva do solo.
Se você for à livraria certa, poderá encomendar um livro chamado "The Natural Death Handbook" (Manual da Morte Natural), publicado na Inglaterra pela Virgin Books. É uma leitura fascinante e deliciosamente alto-astral.
Num capítulo sobre pompas fúnebres em estilo faça-você-mesmo, os leitores recebem instruções básicas sobre construção de caixões. O marceneiro que escreveu o capítulo diz que entre um enterro e outro, o caixão também pode ser usado como mesinha de café ou jardineira de janela.
O livro dá continuidade ao tema ecológico, propondo que se pense nos locais em que há sepulturas como reservas naturais. Plante uma árvore sobre o corpo e crie tua própria Serra do Mar em miniatura.
O livro também explica como um cadáver pode ser transformado em fertilizante e misturado com a terra para ajudar a alimentar um jardim em memória do falecido.

Tradução de Clara Allain

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