São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 1994
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Banda inglesa "adota" abandonados do Brasil

CAMILO ROCHA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Banda inglesa 'adota' abandonados do Brasil
O grupo londrino Blaggers Ita lança disco com bandeira brasileira na capa e música sobre meninos abandonados
O Brasil caiu nas graças de mais uma banda de rock estrangeira: os Blaggers Ita, de Londres. Seu sigle mais conhecido, "Oxygen", trata do problema dos meninos de rua brasileiros. A capa funde a bandeira do Brasil com o símbolo para "inflamável". Nos shows, eles exibem a bandeira do Brasil.
Mas parece que dessa vez não se trata de demagogia furada à la Sting. Durante uma pausa nas gravações do novo disco, o vocalista Matty, falou à Folha e revelou que a banda quer gravar uma versão de "Oxygen" em português!

Folha – Vocês fizeram uma música sobre meninos de rua no Brasil e andaram levando nossa bandeira nos seus show. Por que o interesse pelo Brasil e o que você sabe de lá?
Matty – Eu conheço o Rio. Sei que está na moda falar das crianças de rua brasileiras, mas eu realmente fui para o Rio e vi a coisa de perto. Fui durante o carnaval do ano passado. Notei que o problema das crianças é muito maior do que imaginava. No Rio em toda parte se via crianças vivendo e dormindo na rua. Foi aí que resolvi escrever "Oxygen". Não porque era moda falar disso, mas porque eu estava ali vendo aquilo tudo e queria contribuir de alguma forma. Fizemos o vídeo lá, mas a gravadora sempre insistiu que não poderia ter um caráter mais educacional, teria que ser uma linguagem de clip. Insistimos então que fosse filmado no Rio, com imagens de lá.
Folha – Algumas cenas do clip são fortes. Como foi gravar em uma favela?
Matty – Fomos a uma favela em Copacabana com um cara que tinha uma produtora e morava lá. Parece que ele fez um grande favor a um traficante poderoso... Vimos um garoto de uns 20 anos que já havia matado mais de trinta e também muita gente que cheirava cocaína. Depois de sentir um pouco da realidade de lá, queria gravar uma versão de "Oxygen" em português, mas no Brasil. Você acha que pode ficar legal? Você me ajudaria na tradução?
Folha – Claro. Mas cuidado para não dar uma de Sting, que fez "Frágil" em português e ficou bastante constrangedor...
Matty – Não posso realmente criticá-los mas acho que as pessoas respeitam mais uma banda como a nossa falando disso do que o Sting. Pelo menos, o lugar da onde viemos tem mais a ver com a realidade do Terceiro Mundo do que onde Stig vive. Já fomos classificados de "banda de conjunto habitacional". Não sou um cara articulado, meu vocabulário não é amplo, nem me acho muito inteligente. Mas quando vou a um lugar como o Brasil ou leio sobre ele, isso me inspira a escrever sobre o assunto. Não é para aparecer ou dar uma de bonzinho. É um sentimento autêntico, como nossa luta contra o fascismo, que sentimos na pele.
Folha – Vocês começaram a chamar a atenção em 93, em meio a uma onda de popstars e bandas na Inglaterra repudiando o fascismo e o racismo. Virou "in" fazer declarações anti-fascistas. Você acha que a banda pode ter sido vista como parte de uma moda ou tendência?
Matty – Quando virou moda ser anti-fascista e a imprensa musical resolveu botar a política no cardápio de novo, éramos a banda óbvia. "Ah, os Blaggers, eles têm falado contra o fascismo há anos." Mas não estamos nem aí para esses hypies, estamos além disso. Um de nossos primeiros singles era uma versão de "House Of The Rising Sun", do Animals, chamada "House Of The Fascist Scum" (casa da escória fascista). Não somos músicos, fomos aprendendo nos ensaios. Todo mundo na banda se conheceu através da movimentação político anti-facista. Decidimos nos concentrar nisso, contra algo que estava acontecendo em Londres na época. Isso foi no fim dos anos 80. Hoje o movimento facista chegou ao ponto de ter um político eleito. Não vou dizer que o anti-fascismo é nossa única mensagem, mas é uma das principais.

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