São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
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Plataforma para o futebol precisa de CPI

ALEXANDRE MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como no samba-plataforma, não sou candidato a nada; mas meu negócio não é só batucada. Da mesma forma que muitos da minha geração, já não aguento mais a triste situação de viver num país tão bonito e gostoso onde as coisas dão quase sempre errado. Foram duas décadas de ditadura e quase duas de estagflação. A distribuição de renda é porca; a elite econômica, gananciosa e ignorante; a representação política reflete a falta de informação e a falsificação das regras democráticas; a Justiça é uma caixa-preta.
Ao mesmo tempo, temos um povo intrinsecamente afetuoso e trabalhador capaz de aguentar toda as barras com a maior classe (ou, pelo menos, com a classe possível). Em tudo isso há um paralelo fantástico com o mundo do futebol. Jogadores espertos e talentosos que se sujeitam a regras idiotas, a cartolas malandros, a intermediários picaretas, à incompetência que levou à constatação, há quase 50 anos atrás, de que o futebol brasileiro só evolui dentro do campo.
Por tudo isso aqui, está, no meu samba-plataforma, o que sonho para o futebol: uma CPI para o futebol. No meu programa "Fogo Cruzado", na CNT/Gazeta há duas semanas, promovi um debate em torno da pergunta: "O Futebol precisa de uma CPI?". Simplesmente 97% dos telespectadores que responderam à consulta disseram sim.
O coquetel de assuntos que levou a essa resposta incluiu a CPI carioca do apito, acusações pesadas sobre a gloriosa classe dos cartolas, suspeitas sobre a ação de intermediários/"empresários" (uso a expressão empresário em homenagem a toda a imprensa pátria que também assim qualifica PC Farias); falou-se, em suma, sobre fortunas feitas do dia para a noite e sobre ameaças de morte a quem pretende investigá-las.
Uma CPI do futebol nos ajudaria a identificar novos e velhos tipos de malandragem. Na CPI do Orçamento descobrimos, por exemplo, o raro tipo de malandro-anão; com o plano econômico enriquecemos a nossa galeria com a fina espécie do malandro-supremo.
Pois bem, já imaginou o ilustre passageiro que belos tipos faceiros seriam conhecidos com a abertura das contas dos clubes, cartolas e intermediários? E os técnicos que compram e vendem? Quantas surpresas não encontraríamos? E os inclitos árbitros de futebol? Vamos fazer um bolo. Existe ou não existe o juiz-gaveteiro?
Para falar a verdade nem me interessa muito que sujeiras seriam reveladas numa CPI dessas; não sinto também qualquer espírito de vingança. O que eu quero mesmo é tão pouco... Campeonato da primeira divisão brasileira com 18 clubes que jogariam em turno e returno; rebaixamente dos três últimos colocados para a segunda divisão nacional de onde seriam promovidos os três primeiros colocados.
Outra providência importante: que se convocasse o melhor técnico do país para dirigir a seleção brasileira e que este (livre dos intermediários que estariam, então, afastados) chamasse os melhores jogadores para a seleção. Simples, não?
Disse e repito: não sou movido por qualquer revanchismo. Como prova disso sugiro que se crie (aproveitando a idéia do Luciano do Valle) a seleção brasileira de masters. Como prêmio por bom comportamento, Parreira e Zagalo seriam os técnicos. E nesta seleção eles podiam convocar à vontade tanto o Branco como o Mozer e o Ricardo Gomes.
E Telê (naturalmente o melhor técnico do país) estaria liberado para montar uma das mais belas seleções de toda a história de nosso futebol com Cafu e mais dez.

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