São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
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Livro narra a vida da "divina Sarah"

Biografia escrita por americanos sai no Brasil dia 20

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ela foi a primeira estrela internacional. Foi a Salomé de Oscar Wilde, a Dama das Camélias de Alexandre Dumas filho, a Tosca de Victorien Sardou. Foi a única atriz a representar Ophelia e Hamlet. Seu nome: Sarah Bernhardt. Sua biografia: "A Divina Sarah", de Arthur Gold e Robert Fizdale, a ser lançada em 20 de abril pela Companhia das Letras.
Nascida há 150 anos em Paris (França), filha de uma cortesã, Sarah Bernhardt era a encarnação perfeita da Olympia de Manet: a mulher moderna, com sua sexualidade ameaçadora, sua promessa de desestabilizar todo o mundo masculino a troco de um simples olhar.
Assim ela tomou os palcos de Paris, Londres e Nova York na passagem do século, fascinando escritores como D.H. Lawrence, Oscar Wilde, Marcel Proust e Sigmund Freud –não à toa, quatro figuras centrais na definição da sexualidade contemporânea.
Proust, por exemplo, se encantou de tal forma por ela que a transcreveu em sua obra máxima, os romances "Em Busca do Tempo Perdido", na personagem da atriz Berma. E seu protagonista, Charles Swann, foi inspirado no aristocrata Charles Haas –nada menos que um dos incontáveis amantes de Sarah. Outros que se acomodaram no leito dela? O escritor Victor Hugo, o pintor e gravador Gustave Doré e o poeta Edmond Rostand, para citar alguns.
Sua primeira aparição no palco foi aos 13, numa peça montada no convento onde estudava, escrita pela madre do local. Depois ela ingressaria na Comédie Française, a célebre escola de formação de atores. Um dia, quando contava com 16 anos, viu ali o autor de "Os Três Mosqueteiros", Alexandre Dumas pai, e se dirigiu a ele. Dumas só precisou de alguns segundos para reparar naquela voz "maravilhosa". Nascia uma estrela.
Nascia? Mais ou menos. Sarah penou um tempo até estourar. Curiosamente, aquela mulher forte, que exibia tanta autoconfiança em cima de tablado, sofria de "stage fright" –pavor de palco. Ainda assim, recebeu elogios por sua atuação em "Les Femmes Savantes", de Voltaire, "Kean", do próprio Dumas, e outras peças.
Mas só em 1872, por mãos do homem que reergueria o moral da França –abalado com a guerra com a Prússia iniciada em 1870–, Victor Hugo, Sarah despontaria para o Olimpo. Sua atuação como Rainha da Espanha em "Ruy Blas", de Hugo, lhe valeria o elogio do então cacique da crítica, Francisque Sarcey –que, entre outras coisas, anotou a "miríade de inflexões de sua voz". Hugo resumiu: Divina Sarah.
Começava ali uma sucessão de papéis que Sarah tornaria seus, ai de quem ousasse competir. Em 1880, ela chegaria ao auge: Dumas filho lhe escreveu o papel de Marguerite em "A Dama das Camélias", ao qual seu nome ficaria associado como a nenhum outro. A década seria de ouro. Théodora, Tosca, Cleópatra, Lady Macbeth, Fédora –os sucessos se sucederiam (veja galeria abaixo).
O público, cansado dos papéis sofridos e perturbadores representados por Sarah, pedia: "uma heroína pura numa obra moral". Teve então, em 1890, Sarah como Joana d'Arc, na peça de Jules Barbier. Dois anos depois, no entanto, o contrapeso: Sarah seria Salomé, a mulher enlouquecedora de homens criada por Wilde. Em 1897, este escreveria numa carta: "Só Sarah Bernhardt poderia encarnar aquela serpente do velho Nilo".
O estrelato internacional de Sarah àquela altura era tal que o gênio irlandês George Bernard Shaw saiu a campo. Acusou a "idolatria da sensualidade" vigente e, num texto célebre, comparou Sarah a outra atriz de renome na época, Eleonora Duse. Shaw argumentou que Sarah era uma mulher com quem o público se identificava, nas dores e alegrias, intuitiva e magnética, enquanto Duse era uma atriz que trabalhava seu papel, consciente, sem emocionalismos.
Nota melancólica: no Rio de Janeiro em 1905 para encenar "La Tosca", Sarah, quando Tosca se joga do parapeito, machucou feio o joelho. Dez anos depois, teria de amputar a parte inferior da perna. Morreu em 1923, como consequência. Morreu?

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