São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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A difícil arte de negociar em economia

CARLOS ANTONIO LUQUE

Delinear um plano que ataque completamente todas as causas não é tarefa fácil
Desde o início da década de 80 nossa economia tem mostrado total incapacidade de apresentar um processo de desenvolvimento econômico auto-sustentado. Ainda que em alguns anos o crescimento tenha sido razoável, a exemplo do que ocorreu no ano passado, nossos indicadores de desempenho são lamentáveis. Em 1992 nossa produção "per capita" era 7,7% inferior à prevalecente no ano de 1980.
Ainda nessa direção, o nível de emprego atualmente prevalecente é semelhante ao verificado em 1987, ou seja, não temos conseguido gerar novos empregos, fazendo com que parcela significativa de nossa população se engaje em empregos informais, temporários e normalmente com baixa remuneração.
Em 1980 algo como 22,8% de nossa produção eram destinados às atividades de investimento ou seja representavam um aumento de nossa capacidade produtiva. Atualmente, este valor não deve passar da casa dos 16%. Neste particular é importante ressaltar que o setor público, com suas dificuldades financeiras crescentes, foi abandonando completamente seus investimentos, deteriorando, consequentemente, a qualidade dos serviços públicos. Certamente, quem já teve a necessidade de correr pelos hospitais, escolas ou alguns outros serviços públicos, tem percebido o estado em que se encontram.
Nossa situação é ainda agravada pelo fato de que mesmo nos períodos de crescimento econômico mais intenso, o grau de concentração de renda já era muito elevado, deixando parcela significativa dos brasileiros totalmente à margem dos benefícios do desenvolvimento.
A consequência de toda esta situação é um processo inflacionário crônico, sobre o qual inúmeras tentativas de combatê-lo já foram efetuadas, sem que, contudo, nenhuma alcançasse sucesso.
Atualmente estamos vivendo mais uma tentativa de um novo plano de estabilização. Foi introduzida a Unidade Real de Valor (URV) como um novo indexador na economia e dentro de alguns meses será efetuada uma nova reforma monetária com a introdução do real.
Naturalmente, o surgimento de um novo plano é sempre cercado por inúmeras expectativas, onde todos nos procuramos avaliar quais os efeitos que as medidas contidas irão produzir sobre a nossa própria vida pessoal, como por exemplo, salários reais, emprego, rentabilidade das aplicações etc., bem como a eventual capacidade que o novo plano possui para debelar o processo inflacionário.
Esta percepção de mudanças faz com que cada um de nós busque encontrar mecanismos de defesa que evitem alterações não desejáveis. No nosso caso, fruto de todos os planos anteriormente adotados, que interferiram na nossa vida alterando contratos, mudando condições econômicas etc., e que acabaram fracassando, nossa insegurança se eleva. E quanto maior nossa insegurança mais aumenta nossa resistência à mudanças.
Neste sentido, cabe ressaltar que, em matéria de assuntos econômicos envolvendo riqueza e poder, cada agente econômico ao tomar uma decisão, a faz buscando escolher sua melhor opção e não a toma considerando aquela que seria mais adequada do ponto de vista social. E o problema básico consiste que, na busca do nosso bem individual, não se gera necessariamente o bem social.
Esta é uma realidade que reflete a própria natureza dos agentes econômicos. Empresários, consumidores, trabalhadores e até o próprio governo, ao tomarem decisões, acabam sendo dominados por seus próprios interesses. Particularmente, em nossa economia, fruto de nossa maior insegurança, as decisões dos agentes individuais na busca da proteção eleva ainda mais a instabilidade econômica.
Todas as discussões que tem surgido recentemente entre os diversos setores de atividades, como por exemplo, comércio X indústria, a questão do sistema financeiro, a polêmica sobre os distintos contratos, as questões entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, refletem a nossa própria natureza de agentes econômicos buscando tomar decisões num mundo dominado pela incerteza.
As próprias análises do atual plano, ainda que revestidas de um caráter técnico, refletem, muitas vezes, também estas características. Inúmeras críticas são levantadas, não apresentando um caráter técnico mais profundo, mas retratam simplesmente interesses pessoais, partidários, ou de determinados grupos de agentes.
Isto não quer dizer que o plano seja imune a críticas ou que ele é perfeito. Longe disso. Devemos, inclusive, ser céticos quanto às reais expectativas de que este plano venha, efetivamente, combater o processo inflacionário. Nossa inflação tem uma grande variedade de causas e, portanto, delinear um plano que ataque completamente todas as causas não é tarefa fácil.
Entretanto, é sempre conveniente atentarmos para o fato de que a solução para o nosso processo inflacionáro implica em mudanças estruturais na economia, que afetará de maneira distinta os diversos agentes econômicos e consequentemente pressões ocorrerão buscando evitar certas mudanças.
Mesmo considerando a incerteza no mundo em que vivemos e que a defesa de nossos próprios interesses reflita a nossa própria natureza como agente econômico, é fundamental que busquemos mecanismos de coordenação, que certamente frutificarão, quando as lideranças empresariais, políticas e dos demais setores da sociedade sentem-se à mesa e cada uma exponha de maneira clara seus anseios e interesses, tendo como objetivo básico encontrar mecanismos que ataquem nosso processo inflacionário.
Certamente, esta tarefa exige a superação de diferenças pessoais, partidárias, regionais etc.. Entretanto, muito mais do que nossos próprios interesses, estão em jogo os destinos de toda a sociedade brasileira e, mais particularmente, daqueles setores totalmente marginalizados. A partir do momento que nossa economia recupere sua capacidade de crescimento, gerando novos empregos, abrindo novas oportunidades, certamente, todos nós nos beneficiaremos.

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