São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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Dolce & Gabbana não são vanguarda

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Há 14 anos os estilistas italianos Domenico Dolce e Steffano Gabbana abriram seu primeiro ateliê, ainda sem a marca Dolce & Gabbana que os consagraria. A grife vem três anos depois, com o primeiro desfile em Milão. Dolce estava então com 24 anos e Gabbana, às vésperas de completar 20. Desde então, os dois são os nomes mais modernos da moda italiana e, recentemente, ganharam evidência fora do mundo da moda ao assinar o figurino da turnê de Madonna.
Em entrevista exclusiva à Folha, de Milão, por telefone, Gabbana, o porta-voz da dupla, falou de seu desejo de fazer figurinos para cinema, dos fotógrafos que trabalharam nas campanhas da marca, de Madonna e de como seu trabalho preserva as raízes italianas.
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Folha - Vocês dois possuem raízes "estrangeiras" em Milão. As suas são venezianas e as de Dolce, sicilianas. Essas raízes influenciam suas criações?
Steffano Gabbana - Certamente sentimos as nossas raízes, principalmente as de Domenico, que é siciliano, e que são mais fortes em um certo modo. A Sicilia, como região, é famosa no mundo inteiro. A mulher siciliana tem uma influência muito forte na nossa moda.
Folha - Como isto se exemplifica?
Gabbana - No início, Domenico não queria que as coleções tivessem influências sicilianas. Eu sim. Porque olhando a Sicília de fora, queria fazer algo. Me agradava esta personalidade siciliana, tanto no homem quanto na mulher. Os sutiãs nas mulheres, as botas de cano longo nos homens, a cor negra... A paixão. Tentamos deixar claro em nossas coleções a paixão, que é um sentimento do Sul. O calor, a cor do Sul é comum em todo o mundo.
Folha -Suas campanhas publicitárias sempre são em preto-e-branco. Por quê?
Gabbana - Primeiro porque somos amantes do preto-e-branco, porque somos amantes do neo-realismo italiano, que é o que melhor representa essa mulher e esse homem que amamos. E a cor passa de moda e a fotografia em preto-e-branco, não.
Folha - E não existe o perigo disso reduzir os conceitos que vocês querem transmitir?
Folha - Não, mas principalmente porque em nossas campnhas damos muito mais valor às expressões a ao sentimento que à roupa usada. O importante é transmitir uma mensagem, mesmo sem a roupa.
Folha - As campanhas dão sempre uma impressão de absoluta simplicidade, que de certa forma contradiz o arrojo e a vanguarda de suas criações...
Gabbana - Nós não nos sentimos de vanguarda. Não sei. Vanguarda é uma palavra muito forte. Vanguarda significa novidade a qualquer preço. De vez em quando podemos criar alguma peça realmente nova. Nós misturamos muito o passado, o presente e o futuro e isto não é vanguarda. É bonito pegar coisas do passado, olhar o futuro, quebrar tudo, grudar de novo, como um patchwork.
Folha - Quem seria vanguarda para vocês hoje?
Gabbana - Margiela ainda é vanguarda. Kawakubo, Yamamoto foram seis, sete anos atrás. Yves Saint Laurent foi vanguarda nos anos 70. Eu não.
Folha - Você nunca se sentiu vanguarda? Nem no início?
Gabbana - Talvez no início. Mas porque quando alguém está procurando um estilo e começa a apresentar algo que pode ser importante, estabelece sempre uma contestação. Quando começamos, estava na moda a mulher executiva, com blusas com ombreiras, escondida dentro das roupas. Nós fizemos, em contraposição, coisas muito aderentes, sem as costas delimitadas, sem estruturas, sapatos baixos, tecidos stretch... Éramos o contrário do que o prêt-à-porter propunha. Talvez naquele momento tenhamos sido de vanguarda, porque éramos uma ruptura. Mas eu acredito que um criador pode ser de vanguarda, pode contestar três, quatro temporadas, mas depois deverá demonstrar que tem a possibilidade de construir algo de novo. É como se devêssemos destruir palácios que não nos agradam, mas deveremos criar um estilo em seguida. Assim, nós também contestamos, mas logo procuramos criar um nosso estilo.
Folha - Vocês trabalharam com uma infinidade de fotógrafos: Ferdinando Scianna, Gianpaolo Barbieri, Stevem Meisel, Mario Sorrenti...
Gabbana - O primeiro catálogo que fizemos foi com Fabrizio Ferri. Tínhamos apenas compreendido que tipo de de feminilidade queríamos, o tipo mediterrâneo. Depois, pedimos para um fotógrafo que não era de moda para fazer a campanha, o fotojornalista Ferdinando Scianna. No início, ele não queria. Dizia que a moda não lhe interessava, não queria fotografar vestidos. Mas talvez ele tenha ficado curioso porque naquela época fazíamos uma moda muito siciliana. E ele, sendo siciliano, quis experimentar. Fizemos então duas campanhas na Sicília. E era muita novidade. Porque nenhum outro, depois de Avedon nos anos 50, tinha feito a moda entre as pessoas, como reportagem. Foi um sucesso muito grande. Trabalhamos também com Giampaolo Barbieri porque ele é o mago da luz. Ele vem do cinema, é um amante do cinema dos anos 40. Com ele também fizemos dois trabalho, com o mesmo tipo de mulher, mas como se elas fossem atrizes de Cinecittà. E depois disso, decidimos de fazer que esta nossa "italianidade" fosse interpretada por um fotógrafo estrangeiro. Queríamos ver com que olhos um estrangeiro via essa talianidade. Escolhemos Steven Meisel. Deu muito certo. Ele viu com olhos americanos nossa moda italiana e ajudou assim para que nossa moda se tornasse mais internacional. Nesta última, decidimos trabalhar com um jovem e escolhemos Mario Sorrenti. Vimos algumas fotos suas no jornal e notamos que fazia parte de uma nova corrente, limpa, que estava nascendo na Europa, principalmente em Londres. Ele, Juergen Teller, David Sims... Era um grupo de rapazes. Escolhemos ele porque era italiano e assim mais próximo a nós. Era como se víssemos nele nós mesmos há oito, dez anos.
Folha - E vocês não pensaram em usar Kate Moss como modelo da campanha?
Gabbana - Trabalhamos com Kate Moss há quatro estações, com Steven Meisel, quando ela ainda estava no início. E nós dificilmente usamos o mesmo modelo em estações seguidas. A única foi Linda Evangelista.
Folha - E Bruce Weber?
Gabbana - Sim. Gostaríamos muitíssimo de trabalhar com Bruce Weber, mas apenas na coleção masculina. Gostaríamos de trabalhar com Avedon, Penn, Herb Ritts. Mas vamos com calma. Um dia fotografaremos com todos...
Folha - E vocês já decidiram qual o próximo da lista
Gabbana - A próxima campanha será feita ainda por Mario Sorrenti, com Isabella Rossellini e Linda Evangelista como modelos.
Folha - Como acontecem as transformações no decorrer de suas coleções
Gabbana - É uma questão de sensibilidade, interior, particular. Não existe um motivo. É como um desejo. É como quando, de improviso, você tem vontade de comer chocolate. Não existe uma razão. Tem ainda o que o mercado dita e que só é possível captar rodando pelo mundo, olhando as pessoas.
Folha - No início, as suas campanhas recordavam muito cenas de cinema. O cinema é uma grande influência para vocês?
Gabbana - Sim, seguramente. Também o cinema contemporâneo, mas sobretudo o cinema dos anos 40. Adoramos Visconti, Ana Magnani e Sophia Loren.
Folha - Como foi a repercussão da turnê de Madonna. Vocês ficaram satisfeitos?
Gabbana - Foi um produto muito personalizado, está bem nela. Acho que agora ela mudará o estilo.
Folha - Mas o figurino apresentou problemas?
Gabbana - Tivemos que refazer algumas coisas que durante a turnê rasgavam. Devíamos ajustar calças, malhas, refazer sapatos. Acompanhamos a turnê desta forma. De vez em quando faltavam shorts e outras coisas. Seguimos a turnê e assessoramos Madonna, mesmo estando sempre em Milão.
Folha - Fazer o figurino de Madonna não despertou em vocês o desejo de trabalhar em outras áreas: teatro, cinema...
Gabbana - Sem dúvida gostaríamos de trabalhar para o cinema. Adoraríamos trabalhar com Coppola, sem dúvida. Ou Scorsese.
Folha - A última campanha fotográfica é nostálgica, recupera e mistura valores dos anos 60 e do século 19.
Gabbana - É muito romântica, acima de tudo. Mas também muito moderna. É um pouco um espelho do mundo de hoje. Se está procurando construir coisas novas para se seguir avante, mas se recupera simultaneamente valores e sentimentos do passado. Tudo isso misturado forma algo novo, uma vontade de seguir em frente. Procuramos exprimir estes conceitos tanto na campanha quanto na coleção. É de qualquer forma um desejo de romantismo.
Folha - Além de apresentar a coleção prêt-à-porter outono-inverno da griffe Dolce & Gabbana, vocês criaram uma coleção étnica para a marca Complice...
Gabbana - Para a Complice nos inspiramos no Palácio de Vidro da ONU. Pegamos coisas do Oriente, China, Japão, Alasca, México, Bolívia, Inglaterra, Emirados Árabes... Tudo isso misturado com símbolos militares.
Folha - E porque misturar com coisas militares?
Gabbana - O militar não por seu sentido de guerra, mas porque esses símbolos hoje podemos usar todos os dias. É um uniforme velho, que as pessoas não o querem como uniforme de guerra, mas pelo seu fascínio.

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