São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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Dale é internado com Aids em Nova York

Doença imobiliza bailarino, que tem saudades do Brasil

MARINA MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

A placa da porta do quarto 21 A do setor de Aids do Cooler Hospital em Nova York traz o nome do paciente Leonard Laponzina. Na cama, vestindo pijama azul e sapatos de couro sem meia está o bailarino e coreógrafo Lennie Dale.
Pelo menos 15 quilos mais magro, os belos olhos verdes realçados pela anatomia da doença, Lennie quase não se move, pouco fala, mal ouve quando a enfermeira lhe pede que abra a boca para tomar os medicamentos.
Lennie Dale sabe que vai morrer logo mas diz para a mãe, uma elegante nova-iorquina de 82 anos, que pretende ir ao Brasil ainda mais uma vez: "Ele é louco pelo Brasil", comenta.
Desde que ficou doente, a não ser por um ou outro palavrão em português, Lennie só tem falado em inglês. Reclama do volume do rádio do rapaz na cama ao lado e resmunga: "Música americana me dá dor de cabeça".
Pergunta com dificuldade como foi o carnaval deste ano, qual foi a escola campeã, com quem Cláudia Raia está casada, se é verdade que Jorge Benjor está na moda de novo. Dos amigos, lembra-se emocionado de Betty Faria: "Minha companheira querida". Mais tarde, diz que gostaria de ouvir João Gilberto num walkman.
Quem levou Lennie Dale aos 23 anos para o Brasil foi Carlos Machado. Antes dos palcos brasileiros, Lennie teve passagens gloriosas como o trabalho de assistente de coreografia do filme "Cleopatra" gravado em Roma com Elizabeth Taylor e Richard Burton.
A paixão pela dança e pela música nasceu muito cedo. A mãe lembra-se da vez em que o pequeno Leonard, com menos de dois anos de idade, escapou do colo, subiu num palco de teatro e dançou para uma platéia deliciada até lhe caírem as fraldas.
Lembra-se também dos primeiros sapatos para sapateado que ele inventou de comprar sozinho aos 6 anos e que lhe valeram muitas lágrimas quando ficaram esquecidos no banco do ônibus em Manhattan.
Mesmo doente Lennie não aparenta os seus 57 anos. Vaidoso, já deu uma esticadinha nos olhos e, a excessão do desajeitado uniforme hospitalar a que está preso hoje, nunca foi pego mal vestido.
Exigente, sempre fez questão das boas grifes e não deixava de fazer observações gozadoras diante dos menores detalhes "desafinados" do guarda-roupa alheio.
Nos anos 60, auge da Bossa Nova, lançou no Rio a moda das camisetas largas com grandes listras horizontais usadas sobre jeans e sem sapato. Enfraquecido, sem conseguir se manter sentado por muito tempo, não foi dormir enquanto não soube quem levou o prêmio de melhor figurino na noite do Oscar deste ano.
Lennie Dale descobriu que tinha o vírus da Aids há cerca de quatro anos no Brasil e foi aconselhado pelo médico a vir embora para Nova York, onde tem assistência médica gratuita. Só veio no ano passado, quando já não podia mais ir a praia, nem curtir a noite carioca.
Aqui, no hospital, se queixa de solidão, de monotonia, de saudades dos amigos e do ar livre. Quer escrever um livro de memórias mas não sabe se tem forças. O nome do livro? Lennie pensa um pouco, sorri e responde num português absolutamente americanizado: "Daqui Eu Não Saio, Daqui Ninguém Me Tira".

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