São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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O escorpião da Bahia

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – O governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães (PFL), foi pessoalmente a uma delegacia soltar quatro presos que haviam praticado pequenos furtos. Foi, segundo ACM, um protesto simbólico contra a impunidade de seu antecessor, Nilo Coelho (PMDB), a quem o governador acusa de grandes furtos.
É justo o protesto, é justa a indignação. Todo o mundo, afinal, está cansado de dizer que a impunidade é um dos mais terríveis males que assola a República tupiniquim. Pena que a indignação de ACM seja seletiva e, por isso mesmo, resvala para a mais barata demagogia.
Quantos presos o governador deveria soltar para protestar, por exemplo, contra a impunidade das empreiteiras, pilhadas em incontáveis irregularidades tanto na CPI do caso Collor/PC como na CPI do Orçamento? Soltou algum? Não, calou-se.
ACM tampouco parece indignado com o assalto aos cofres públicos promovido pelo ex-deputado João Alves, o mais notório "anão" da Comissão do Orçamento. Será porquê Alves foi eleito, em 1990, como companheiro de chapa do governador? Para quem não lembra, João Alves elegeu-se deputado federal, em 1990, pelo mesmo PFL da Bahia que conduziu ACM ao Palácio de Ondina.
O mais revelador, no episódio, não é, de qualquer forma a demagogia contida na indignação seletiva. É o que conta a respeito da índole política do governador. ACM desfruta de elevada popularidade em seu Estado, conforme atestam sucessivas pesquisas do Datafolha a respeito dos principais governadores. Logo, não precisa dessa demagogia de arrabalde para eleger-se senador como pretende.
Ao praticá-la, apenas demonstra o quão arraigada é nele a tentação do populismo vazio e da demagogia e a opção preferencial pelo ataque ao adversário, em vez da afirmação de suas próprias propostas, se é que existem.
É a versão baiana do escorpião da fábula, aquele que picou o elefante que o transportava para o outro lado do rio, mesmo sabendo que afundariam juntos. "Desculpe, mas é o meu instinto", explicou-se o escorpião ao desolado elefante.

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