São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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Goleiro Edinho preferia jogar basquete

BOB FERNANDES
ENVIADO ESPECIAL A SANTOS

A voz é idêntica. A musculatura e a estrutura óssea, a agilidade e os reflexos, o gingado quando corre, são semelhantes. "Genética é genética", lembra Cléber, um dos preparadores físicos do Santos. O futebol, certamente, não é o mesmo. Nem poderia, pois não se fazem dois Pelés.
Edinho procurou para si um caminho árduo. Provar que pode ser jogador de futebol, e goleiro, sendo filho de quem é, Pelé. E jogando onde joga, no Santos. Contra o Palmeiras, hoje à tarde, no Pacaembu, Edinho se submeterá mais uma vez ao julgamento.
Tendo 1,80 m, 81 kg e as características físicas do pai, Edinho carrega uma diferença no andar. Uma balanço pendular do corpo. Coisas de quem morou l5 de seus 23 anos em Nova York, gosta de "roupa de negão" e só usa uma etiqueta. A "Bad Boy".
Ele, que vem bem no Santos, discute nos treinos, chia até em treinamento com bola parada e explica por que:"Eu odeio tomar gol". Mas ama o homem-gol, o pai. Ao ponto de não temer um sequestro. "Os bandidos gostam de futebol, respeitam o Pelé, sabem o que ele fez pelo Brasil."
*
Folha - Você se sente mais brasileiro ou norte-americano?
Edson Cholbi Nascimento - Sou brasileiro, mesmo tendo saído daqui aos 5 anos, quando meu pai foi para o Cosmos.
Folha - Nesses 15 anos você morou onde?
Edinho - Sempre em Manhattan, Nova York.
Folha - Sua vida era só Manhattan?
Edinho - Não. Eu estudei na Escola da ONU na rua 23, do lado do rio, que tinha gente do mundo todo. Tinha amigos no Bronx, no Brooklin, em todo lugar.
Folha - Nos EUA você jogava futebol? Já era goleiro?
Edinho - Eu jogava num time de júnior, de vez em quando, mas não era nada sério. Lá, o que eu jogava para valer era basquete, beisebol, futebol americano. Eu ia entrar para a universidade e ganhar uma bolsa de estudos pelo basquete, quando voltei para o Brasil. Meu sonho sempre foi ser jogador de basquete.
Folha– Antes do Santos onde você jogou?
Edinho - Em 93 eu joguei na Portuguesa Santista e depois fui emprestado para o São Caetano.
Folha - Você estreou no Santos contra o Santo André. Em 1956, Pelé estreou também contra o Santo André. Foi coincidência ou foi de propósito?
Edinho - Não foi de propósito. São coisas dos deuses do futebol.
Folha - E você, o filho do terror dos goleiros, Pelé, jogar no gol? Isto também é coisa dos deuses do futebol?
Edinho - Pode ser, é uma ironia do destino. Mas o futebol está no meu sangue e não é só por causa do meu pai. Meu avô, Dondinho, jogava futebol, e meus tios, tanto por parte de mãe como de pai, também eram bons jogadores.
Folha - Qual a primeira imagem que você tem não do pai, o Edson Arantes, mas do jogador, o Rei Pelé?
Edinho - A gente brincando no campo do Giants Stadium, em Nova York, e as pessoas olhando para ele com todo aquele respeito. Do jogador Pelé, eu me lembro do dia em que ele foi campeão da liga jogando no Cosmos. Deste Pelé que você viu eu não tenho memória. Eu nasci em agosto de 70.
Folha - Você, nos EUA, brincava no gol ou na linha?
Edinho - Às vezes no gol, às vezes na linha.
Folha - Eu estava vendo antes do treino que você sabe jogar no ataque. Então, por que o gol? E por que começar tão tarde, quase aos 20 anos, numa posição tão difícil?
Edinho - A posição acabou sendo uma consequência. Eu sempre fiz esportes com as mãos; basquete, vôlei, futebol americano. E eu comecei quando veio a vontade, quando eu já tinha acabado o colegial, quando já ia começar o basquete para valer.
Folha - Sua responsabilidade é dupla, não? Qual é a sensação?
Edinho - Eu não diria a responsabilidade. A cobrança, sim, é maior. Quanto à minha responsabilidade, é a mesma de todo goleiro, seja ele filho do Pelé ou do João. Pegar a bola, evitar o gol.
Fola - O que você sentiu no jogo contra o Corinthians, quando tomou quatro gols e o Viola tentou imitar Pelé na comemoração?
Edinho - Muita raiva. Não pelo Viola, que é um grande jogador, nem pela comemoração, que me deixa orgulhoso. Muita raiva porque eu odeio tomar gol. Naquele dia fui considerado o melhor do meu time, mas não adianta nada.
Folha - Numa recente excursão pelo Japão, num treino, você estava chiando barbaridade. Dizem que o Pepe comentou: "É igualzinho ao pai, ranzinza, chiador".
Edinho - Eu sou muito chato quando entro em campo. Não gosto de perder nem em treino.
Folha - E o episódio João Havelange x Pelé. O que houve?
Edinho - Uma situação infeliz. Meu pai tem tomado parte em situações muito chatas, mas ele tem razão.
Folha - O que houve com o Havelange?
Edinho - Nada. Ele pisou na bola, se meteu numa discussão que não era com ele.
Folha - Em seguida teve a discussão com o Romário.
Edinho - Meu pai estava comentando a seleção e disse que o esquema deveria ser mais ofensivo. Disse que o Brasil não precisa jogar na defesa e que quem deve se preocupar com isso são os adversários. Disse também que não se pode pôr nos ombros de um só jogador, no caso o Romário, a responsabilidade por vencer a Copa, como na partida contra o Uruguai. Ele veio só para o último jogo e fez os dois gols. Foi importante, mas um jogador só não pode ter a responsabilidade dos 22. Não sei como esse comentário chegou na Europa.
Folha - E o Romário devolveu?
Edinho - Devolveu de canela, falou um monte de besteiras. Tenho certeza que ele recebeu as coisas por lá de um jeito diferente, truncado. É uma situação chata, porque eu nunca vi o meu pai falar mal de um jogador.
Folha - Aliás, ele vive procurando qualidades mesmo em quem não tem.
Edinho - É, ele sempre arranja uma desculpa. É porque ele já jogou. Ele sabe que pode prejudicar a carreira de um jogador novo.
Folha - Com você ele dá muito palpite?
Edinho - Não. Ele faz críticas, mas no momento, como estou indo bem, tem feito elogios.
Folha - E a seleção com cinco atacantes?
Edinho - É de se analisar. Mas pelo menos dois deles têm que ter característica forte de marcação.
Folha - Você quer a seleção?
Edinho - Para agora não dá, é claro, mas quero chegar lá.
Folha - Quem devia estar e não está na seleção?
Edinho - O Dener. Ele não está jogando onde temos hoje o melhor futebol, mas não entendo por que não está na seleção. Ele tem todas as condições para ser o melhor jogador do mundo.
Folha - Quem é o melhor do mundo?
Edinho - Não tem um melhor. O Romário é um deles, o Gullit é outro.
Folha - Quem é o melhor treinador do Brasil?
Edinho - Telê. Há muito tempo. Não é nenhuma novidade. Não vê quem não quer.
Folha - Falando nisso, você não tem medo de sequestro?
Edinho - Acho que o sequestrador vai evitar me pegar. A maioria deles gosta de futebol, tem respeito pelo meu pai, sabe o que ele fez pelo Brasil. Tenho certeza de que eles não vão querer provocar essa dor no Pelé.

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