São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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Páscoa

D. ALOÍSIO LORSCHEIDER

A festa de Páscoa, que relembra de modo especial a ressurreição de nosso senhor Jesus Cristo, é a maior e mais importante festa cristã do ano.
Intimamente relacionadas com ela, e formando como que um todo, estão as festas do Natal e de Pentecostes.
Trata-se em todas estas festas da vida nova que Jesus nos trouxe pela sua encarnação, culminando na ressurreição gloriosa.
É a festa em que transparece de modo muito claro a grandeza da pessoa humana, a sua imensa dignidade. Foi através da sua humanidade, como instrumento ligado ao verbo eterno, que Cristo, feito solidário conosco e obediente ao Pai até a morte na cruz, elevou ao máximo o ser humano.
Jesus Cristo é a plenitude de todo o ser, na bela expressão do apóstolo Paulo. É o verbo que ilumina todo homem que vem a este mundo, na também profunda expressão de São João. E é no verbo encarnado que a vida humana recebe todo o seu sentido.
João 23, na encíclica "Pacem in Terris", de 11 de abril de 1963, analisando do ponto de vista cristão os direitos da pessoa humana, deixa ver como a vida nova trazida por Jesus e que explode no dia da Páscoa manifesta o pleno significado de direitos e deveres que definem a dignidade do ser humano.
Por isso, poderíamos dizer que a Páscoa é a festa solene dos direitos da pessoa humana. Desaparece o velho da opressão, do não reconhecimento do valor irrepetível de cada pessoa, e surge o novo da libertação e do respeito a cada criatura humana.
Este reconhecimento do irrepetível que é cada ser humano, é, hoje, em nossa sociedade, constantemente negado, quando se excluem pessoas do convívio social, tornando-lhes impossível o próprio desenvolvimento integral ou sendo incapaz de reintegrar socialmente quem, por motivos vários, se tornou culpado de delitos mais ou menos graves.
A Páscoa é o momento de realizar esta passagem do velho para o novo. Páscoa, etimologicamente, significa passagem. Passagem do inverno para a primavera. Passagem do inverno do pecado, do delito, para a primavera da virtude, da graça divina derramada em todos os corações pelo espírito de Cristo que nos foi dado.
Páscoa é a passagem de um estado de morte para um estado de vida. É a passagem de uma cultura de morte para uma cultura de vida. E é precisamente a vida na sua plenitude que brota da ressurreição do senhor Jesus.
Páscoa, por isso mesmo, não deveria ser apenas a maior festa do mundo cristão, mas deveria ser a maior festa de toda a humanidade. É na Páscoa do senhor que se deveria inspirar toda a renovação da humanidade.
Quadra muito bem com o dito paulino: "Purificai-nos do velho fermento para serdes uma nova massa, uma vez que sois pães ázimos. Cristo, nosso cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos pois a festa, não com o antigo fermento, não com o fermento da malícia e da perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade" (1 Cor 5,6-8).
Com a ressurreição de Jesus está sendo oferecida ao mundo a possibilidade de ficar livre de tudo o que escraviza: o egoísmo, a vingança, o ódio, a luxúria, o roubo, a mentira. Em uma palavra, tudo o que prejudica a criatura humana no mais íntimo do seu ser e no seu relacionamento com as outras pessoas e com o próprio Deus.
A ressurreição de Jesus, após uma vida só de bem, mas que teve um final de enorme sofrimento, morte atroz e sepultura, deu a todos os seres humanos a possibilidade de criarem um mundo novo, um mundo de paz, de respeito, de fraternidade, de ajuda mútua, de doação de uns aos outros.
Esta possibilidade deverá ser assumida por cada um de nós com muita responsabilidade. Em vez das sementes de morte que a conduta aética de muitos larga pelo mundo, nós necessitamos semear as sementes de vida, que brotam do sepulcro aberto de Jesus ressuscitado. É só entrando neste plano de Deus que conseguiremos a solução dos nossos problemas.
Não é Deus quem causa os problemas, mas somos nós por uma conduta menos digna e desrespeitosa para com os outros que problematizamos a nossa vida e a vida do nosso próximo.
No mundo atual, um dos maiores problemas está na falta da distribuição equitativa dos bens. Deus fez tudo para todos. E nós queremos tudo só para nós. É preciso saber renunciar a tudo o que maltrata o nosso próximo, o que maltrata a criação, o que maltrata o próprio Deus.
Trata-se de construir uma sociedade nova dentro da vida nova da Páscoa do senhor, uma sociedade justa, fraterna, solidária, onde todos se sintam gente e se sintam realizados e felizes como se sentiram os amigos de Jesus no dia da Páscoa.

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