São Paulo, segunda-feira, 4 de abril de 1994
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Jogo do bicho e hipocrisia

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Mais pimenta no escândalo do envolvimento de policiais, jornalistas e políticos no jogo do bicho, estendendo-se ao Congresso: o chefe do Gabinete Civil, Henrique Hargreaves, acenou ontem com a possibilidade de a Polícia Federal entrar nas investigações. Mas em todo esse escândalo há uma gigantesca dose de hipocrisia.
Não consigo entender por que não legalizam logo o jogo do bicho –uma delinquência aceita e até apreciada, por exemplo, quando patrocina o Carnaval e oferece camarotes para o ministro da Justiça e presidente da República.
Suspeito que os maiores interessados em manter a semi-clandestinidade são, justamente, os delinquentes –inclusive na polícia–, beneficiados por propinas. A hipocrisia está no seguinte: os governos surgem, hoje, como os maiores promotores da jogatina através de loterias, prometendo a redenção dos pobres -até agora, seu maior beneficiário foi, aliás, o deputado João Alves.
Os governantes apostam na ilusão do pobre. Como se já não bastasse a gatunagem dos impostos, tiram seu dinheiro, prometendo obras sociais para esse mesmo pobre. É, na verdade, quase um estelionato: todos que conhecem um mínimo de bastidores de administração sabem como são desperdiçados recursos sociais. Não é só.
Redes de televisão também patrocinam jogos de azar, auxiliadas pelo setor público. No caso, os Correios. Qual a diferença entre essas loterias e o jogo do bicho? Sinceramente, não vejo diferença essencial.
PS – O clima nervoso da sucessão presidencial deve ter abalado o equilíbrio do governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury –só assim posso entender sua reação diante de reportagem, publicada no sábado, assinada por mim e pelo repórter Tales Faria, sobre suas posturas dúbias nos conflitos do PMDB. Irritado com a matéria, ligou para esta sucursal, onde eu, naquele momento, não estava. Dispensando um assessor, ele próprio preferiu deixar um recado desaforado com a telefonista. De fato, Orestes Quércia está coberto de razão em suas análises mais reservadas sobre a proficiência política de Fleury.

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