São Paulo, terça-feira, 5 de abril de 1994
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O Estado em fatias

BISMAEL B. MORAES
Muito já se falou e escreveu sobre os donos do poder, as oligarquias e os arranjos sub-reptícios à sua sombra. Mas é sempre oportuno lembrar que, assim como se punem o alcance e a subtração de coisas alheias, as fraudes e as falsidades de toda ordem, e outros ilícitos, por maior razão, a ninguém é dado apropriar-se dos poderes, órgãos e bens públicos.
O presidente não é dono do país, o Estado não pertence ao governador e o município não é propriedade do prefeito. Por igual, o parlamentar não comprou o Legislativo, nem o juiz adquiriu o Judiciário, e muito menos a polícia é uma empresa do policial ou o quartel é um feudo de seu comandante.
Essas pessoas e seus auxiliares, em síntese, são gestores, mandatários, aplicadores e executores de normas destinadas ao bom funcionamento do Estado. É óbvio que cada uma delas, individualmente, é beneficiária das coisas públicas, pois estas pertencem ao bem comum.
Entretanto, sob a máscara da legalidade, moralidade e impessoalidade, há rostos ávidos por flashes e vozes à busca de microfones, escondendo atitudes prejudiciais à sociedade civil. À socapa, mil trocas de favores entre indivíduos, instituições e corporações, públicas e privadas, como se o Estado fosse um balcão de magarefe ou tivesse que ser dividido em fatias, para garantir a perpetuação de privilégios absurdos.
Veja-se um exemplo, no que diz respeito à segurança pública; quando pessoas de bom senso procuram mostrar as vantagens de uma polícia-cidadã, civil e disciplinada, mais identificada com a população a que deve servir, eis que alguns ainda insistem na manutenção de polícias militares, com Justiça corporativa e quartéis.
Lembre-se de que quartel não é aberto ao público. É próprio para cuidar dos interesses da corporação, aí não ingressando juiz, promotor, advogado e muito menos pessoa comum, exceto em dia de festa e se for convidado...
Por isso, estranha-se a tentativa de militarização indireta das Guardas Municipais, em certas propostas de revisão do artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição. Ainda mais quando se sabe que as Guardas Civis, polícias uniformizadas e com preparo específico para tratar com os cidadãos, foram arbitrariamente extintas, em 1969, pelo decreto-lei 1.072 do presidente Médici. Surpreendeu a proposta de revisão nº 014910-7, do deputado Robson Tuma, para o controle a fiscalização das Guardas Municipais pelas PMs, representando o fortalecimento da militarização policial e, ao mesmo tempo, a invenção do Estado na autonomia do município! E por que as PMs não querem ser apenas polícia, deixando a condição de militar somente aos integrantes das Forças Armadas? O policiamento não é civil e de trato com civis?

BISMAEL B. MORAES, 57, advogado, é Mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo e autor de "Polícia, Governo e Sociedade".

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