São Paulo, quarta-feira, 6 de abril de 1994
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Um caso eloquente

JANIO DE FREITAS

Um episódio exemplar dos problemas implícitos nos inícios de investigações complexas, estas em que jorram nomes de maneira comprometedora, mas incomprovada, vem mostrar o quanto é necessária a fixação de regras mais rígidas para o tratamento desses casos pelos meios de comunicação. Não sendo esta uma providência que se espere para o futuro previsível, a não ser por iniciativa eventual e particular de um ou outro jornal ou TV, é evidente que a sugestão de cautela se dirige mais ao possível leitor.
O exemplo começa em 86, quando um advogado ajuda um benemérito das causas públicas a criar uma entidade em defesa dos hemofílicos e de combate ao comércio vil de sangue para transfusões, que disseminava doenças e mortes. Passados quatro anos o advogado volta a ser procurado pelo amigo. A entidade estava com problemas financeiros sérios, e sem os solucionar não poderia prosseguir no trabalho que vinha apresentando resultados excelentes, tendo já forçado a completa reformulação do comércio de sangue.
A importância necessária excedia as disponibilidades do advogado. E não lhe ocorria a solução. Mas ocorreu ao líder da entidade: se fosse possível chegar aos donos do jogo-do-bicho, que esbanjam dinheiro com o Carnaval, talvez se convencessem a contribuir para uma causa humanitária. O advogado lembrou-se de haver tido, durante seu curso, um colega que era filho de um dos "banqueiros" e se prontificou a procurá-lo.
Deste acontecimento de julho de 90, passemos para a segunda-feira desta semana. O procurador-geral da Justiça fluminense, Antonio Carlos Biscaia, que conduz as investigações em torno do jogo-do-bicho, atende ao convite para ir a um gabinete oficial. E ali ouve, do advogado e do líder da entidade pelos hemofílicos, com a presença de testemunhas, a história que explica o registro de US$ 50 mil dólares na contabilidade dos "banqueiros" apreendida por Biscaia. Dinheiro apresentado pelos meios de comunicação como financiamento eleitoral.
O advogado chama-se Nilo Batista, acaba de assumir o governo do Estado do Rio, em substituição ao virtual candidato Brizola. Desde que feita a apreensão da contabilidade, figura no noticiário como o maior receptador de dinheiro do jogo-do-bicho, senão do tráfico de drogas, para a campanha eleitoral que o elevou a vice-governador. Não foi levado em consideração o trabalho eficiente e moralizador de Nilo Batista, à frente da Secretaria de Polícia Civil, nestes últimos anos.
O líder da entidade beneficiada pela doação é ninguém menos do que Betinho, o 13º apóstolo. Não pode haver melhor atestado de veracidade do que o seu. Dado em pessoa ao procurador Biscaia.
Entre os nomes divulgados, há outros tão respeitáveis, até prova em contrário, quanto o de Nilo Batista. Provas que podem aparecer ou não. Mas não se espere que os meios de comunicação as aguardem, até aí cercando suas notícias de cautelas eficazes. Neles só se aguardam as listas de nomes, mais e mais nomes.

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