São Paulo, quarta-feira, 6 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gilberto Gil "redespluga" música brasileira

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Gilberto Gil 'redespluga' a MPB
O compositor pesquisa os timbres e lança formação neo-regional no disco, show e programa 'Unplugged'
O compositor baiano Gilberto Gil, 51, está lançando CD, programa de TV e show. Os três produtos levam o título de "Unplugged", que é como a MTV tem chamado a volta do pop aos instrumentos acústicos.
O disco –o 32.º de uma carreira de 32 anos– chega hoje às lojas. O programa vai ao ar pela MTV a partir de amanhã. O show estréia na sexta-feira, às 21h, na Sala Cecilia Meirelles, no Rio. Gil e banda cantam no Tuca, em São Paulo, em 26 e 27 de abril.
Gil é um dos músicos brasileiros cuja obra mais lançou padrões de instrumentação. Ao longo das mudanças de estilo na MPB, ele se defrontou com o problema de como lidar com este ou aquele instrumento ou tipo de amplificação.
A onda acústica o pegou mais do que calejado no assunto. "Já sou desplugado há muito tempo", diz. Mas não é bem dito. Gil está na verdade se "redesplugando", tantas vezes trocou violão pela guitarra e vice-versa. Desta vez, Gil está convicto de que lançou um novo modelo instrumental.
"Quando veio o convite para gravar o programa, achei que devia dar prioridade não ao violão solo, como já tinha feito, mas ao conjunto que me acompanhava", explica. "Busquei uma nova timbragem, uma maneira de tratar violão, bandolim, flauta, pandeiro. Tento recuperar a tradição do regional para um contexto 'pós'. Nesse sentido acho que tem a ver com as experiências do maestro Radamés Gnattali. Analisando o que eu e banda fizemos, penso que se trata de um padrão acústico neo-regional", diz.
Não é ocioso fazer uma retrospectiva das mutações do artista. Em 1967, Gil participou em São Paulo de uma passeata contra a presença da guitarra na MPB, introduzida por Jorge Ben em 1963. Mas, no mesmo ano, ele apresentou seu "Domingo no Parque" com arranjo de guitarras da banda Os Mutantes no Festival de MPB da Record. Surgia a Tropicália, movimento estético que desejava sintonizar a música brasileira com o pop internacional.
"A guitarra era mais um símbolo, um emblema programático", lembra o músico. "Eu e Caetano (que cantou 'Alegria, Alegria', naquele festival) discutíamos em conjunto. Fazíamos aquilo com a clara intenção de eletrificar os ritmos brasileiros. A passeata contra a guitarra foi mais um gesto corporativo do que uma convicção. Em 'Domingo no Parque', a guitarra foi ideológica".
Gil confessa que só veio a aprendeu a tocar guitarra em Londres, durante seu exílio, entre 1969 e 1972: "Foi em Londres que eu comprei minha primeira guitarra –uma Gibson 335– e passei a reproduzir as levadas do rock e do rhythm'n'blues. Eu queria traduzir o ritmo brasileiro de maneira orgânica. Durante o tropicalismo eu era influenciado por Jimi Hendrix, mas nunca consegui tocar como ele nem busquei reproduzir o que ele fazia. Durante o exílio, incorporei mesmo a guitarra, na estrutura das composições".
Nos anos 70, Gil quis reler a tradição brasileira a partir do reggae e do funk. "No LP 'Refazenda' voltei ao padrão acústico. Em 'Refavela', fui mais iconoclasta, querendo 'funkear' o 'Samba do Avião' da bossa-nova".
Gil define sua música como sendo "de vários sotaques, nacionais e internacionais". Por isso, acha que ela combina mais com um ambiente de "regional-pós", como em "Unplugged','do que em um trio de bossa-nova.
"Meu foco no novo trabalho foi modificar a estrutura profunda de algumas músicas. Resolvi, por exemplo, rearranjar 'Realce', que, no fim dos 70, foi um manifesto da eletrificação, da festa, do pop brasileiro. Foi um desafio porque transformei um funk numa espécie de salsa, tornando a música mais íntima, mais arrefecida".
A volta ao regional fez com que o músico retomasse uma canção antiga, "Beira-Mar",de 1965, primeira parceria dele com Caetano, e gravasse pela primeira vez o clássico "Sampa", de Caetano. "A música já tinha um arranjo com regional na versão original. Tentei traduzi-la para um neo-regional".
Gil vê este momento do pop como do "cansaço" e da "artificialização" dos modelos elétricos e eletrônicos.
Mas com isso não quer dizer que abandonou o campo das simulações sonoras: "Quero continuar a fazer música no ambiente elétrico. É a 'mainstream' do meu trabalho. Esse negócio de desligar a chave de luz na casa não combina comigo. Não dá para viver sem eletricidade".

Texto Anterior: A tarefa mais difícil exige decisão forte
Próximo Texto: "Unplugged" inova nos arranjos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.