São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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A fome e o mercado

JOSMAR VERILLO

O livre mercado é o instrumento mais eficiente de alocação de recursos econômicos conhecido pelas sociedades civilizadas. Ele funciona como um mecanismo de fixação de preços, toma em conta as informações disponíveis e tem como pano de fundo a filosofia de respeito à vontade individual. O agente só compra um bem se achar que o benefício será igual ou maior do que o preço pago por ele. O vendedor vende se achar que o benefício é maior do que ficar com o produto. Assim sendo, toda transação envolve ganho.
O mercado como mecanismo de fixação de preços não trata da questão econômica da disponibilidade de recursos, ou da pobreza. Pobreza tem mais a ver com a incapacidade de gerar recursos para a sobrevivência e não com o mecanismo de intercâmbio de bens econômicos.
A ampliação do mercado impulsionada pela criação de meios de troca mais eficientes (dinheiro) aumentou o bem-estar da população. O paradoxo é que em um mundo mais rico, cheio de amenidades, exista ainda uma parcela crescente da população global que, além de não desfrutar das suas riquezas, passa fome. Esse paradoxo perturba os padrões morais da nossa época.
A sobrevivência em ambientes modernos requer algumas habilidades, a maior delas é o entendimento do funcionamento do mercado. Em uma economia de mercado é fundamental dispor de uma habilidade pessoal ou um produto que possa ser oferecido à sociedade, a preços que os interessados estejam dispostos a pagar. Em troca, a sociedade proporciona os meios para a sobrevivência e o conforto do ofertante.
A fome tem origem na pobreza, que por sua vez é oriunda da incapacidade de oferecer algo que interesse ao mercado. Um indivíduo pode se integrar ao mercado mediante a sua simples capacidade de trabalho, ou mediante a capacidade de organizar a produção de um bem ou serviço. Quem não tem estas habilidades para oferecer, ou fonte de suporte herdada, tem que viver da caridade coletiva, pública ou privada.
O número de pessoas que passa fome no mundo tem aumentado porque o setor público tem praticado políticas que inibem o funcionamento do mercado, deixando de lado o seu papel de criador e mantenedor das regras do jogo.
Via de regra, toda interferência do Estado no mercado é prejudicial ao desenvolvivmento econômico. Os maiores índices de pobreza estão localizados em áreas onde, por alguma razão, os mercados não estão suficientemente desenvolvidos. O governo deveria se limitar a criar as regras do jogo e zelar para que os agentes econômicos as cumpram. As regras devem tratar que a atividade econômica de um agente não cause prejuízo a terceiros e às propriedades comuns, tipo ar, água, e dar força aos contratos. Os agentes econômicos sabem defender os seus interesses.
Para atacar o problema da fome, testemunhamos diariamente políticos prometendo aumentar a produção de alimentos e políticas governamentais de combate a fome que se limitam a subsídios para aumento da produção agrícola. Esta abordagem é equivocada, pois os governos interferem no mercado pelo lado da oferta e se esquecem que precisa haver demanda para a produção, o que depende de poder de compra.
A interferência no mercado pelo lado da oferta se justificaria se houvessem obstáculos à produção. Mas não é esse o caso. O mercado funciona razoavelmente bem na atividade agrícola, pois a produção sempre reage à demanda. Pequenos desajustes são naturais e o próprio mercado trata de solucioná-los. A fome não é provocada por falta de produção, mas sim por falta de poder de compra de uma parcela da população, aquela que está à margem do mercado. A intervenção correta no caso seria no sentido de criar poder de compra e isso está relacionado com geração de emprego e aumento de produtividade.
Quando o governo subsidia a produção, ele aumenta artificialmente a oferta e o excesso de produção acaba apodrecendo, quase que invariavelmente nos armazéns estatais. Existe portanto uma dupla perda: o custo do subsídio e o custo da produção não vendida, sem mencionar o efeito de concentração de renda já que aos subsídios só tem acesso os mais poderosos e os mais organizados.
Uma política de combate à fome deve ficar na tentativa de inserir os pobres no mercado de trabalho, ou de produtos e serviços, o que requer também a redução drástica da carga tributária sobre os salários. Os trabalhadores precisam de treinamento para identificar as oportunidades, de como se organizar, noções básicas de marketing, habilidades técnicas e gerenciais.
Combater a fome através de subsídios à produção de alimentos é o maior desperdício de recursos que se pode ter.

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