São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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Brasil transforma Parreira no seu Judas

MARCELO DAMATO
DA REPORTAGEM LOCAL

A evocação de Carlos Alberto Parreira na festa de malhação do Judas, no sábado de Aleluia, mostra o quanto execrar o técnico da seleção, seja quem for, é uma mania nacional. Não importa o assunto, o técnico nunca tem razão.
Todos os técnicos que dirigiram a seleção em Copas nas últimas décadas foram chamados de "teimosos" (entenda-se burros). O motivo: não aceitaram mudanças pedidas pelo "clamor popular".
Telê Santana, no início dos anos 80, virou personagem de um quadro de humor por não escalar pontas na seleção. Hoje, em quase todo o mundo os pontas "especialistas" –o termo da época– e seus defensores desapareceram.
Cláudio Coutinho, que dirigiu o Brasil na Copa de 78, foi ridicularizado por defender o "overlapping", o avanço do lateral até a linha de fundo para cruzar. Hoje, todo lateral que se preze faz isso.
É claro que todos esses técnicos cometeram erros e, portanto, houve críticas justas. Além do mais, foram tantos os tiros que era impossível que nenhum acertasse o alvo.
Parreira não é um Telê, mas sofre a mesma malhação. Por não transigir de escalar dois –e não mais– atacantes, o técnico é vítima de uma chuva de ataques.
Quase todos os times e seleções do mundo fazem o mesmo hoje. O São Paulo bicampeão mundial e o Palmeiras campeão brasileiro não são exceções. E seus técnicos, Telê e Wanderley Luxemburgo, nunca foram chamados de retranqueiros.
O contra-argumento é de que o Brasil tem uma grande geração de atacantes, Romário, Dener, Muller, Bebeto, Edmundo e por aí afora. Mas esses jogadores admitem que não estão acostumados a marcar e que seria difícil acertar o time.
Outro caso é o dos dois volantes. Todos os times importantes do Brasil jogam assim. Ninguém reclama. Fora do país, a situação é a mesma. O que condena o técnico é que ele insiste com Mauro Silva e Dunga juntos, que só sabem marcar.
Além do mais, é inegável que Parreira dá exemplos de teimosia, alguns incríveis. Insistir que Cafu, Leonardo, volante e meia do São Paulo, e Jorginho, misto de lateral e volante no futebol alemão, só podem jogar como laterais é um deles. Escalar na lateral esquerda o gaúcho Branco –um jogador sem preparo físico na posição que mais exige isso– é outra.
O que é inexplicável em Parreira é a sua concepção de que o futebol praticado no Brasil é ultrapassado. Pode-se concluir isso a partir de suas opiniões sobre outras seleções e do peso que ele dá ao fato de um jogador ter ou não "experiência internacional" (entenda-se jogar no exterior).
Ora, os resultados mostram que o futebol brasileiro não é uma baba. Os times deste país venceram todas as competições sul-americanas desde 1992 e o São Paulo é bicampeão mundial de clubes. No ano passado, usando jogadores inexperientes como Doriva e André, Telê armou a equipe para vencer o Milan, que tem o melhor elenco do planeta e está prestes a vencer mais uma vez o Campeonato Italiano.
O que preocupa na seleção brasileira não é o fato de ela ter dois atacantes e dois volantes. Muito pior é que o técnico parece ter decorado –de um livro europeu– uma receita de como se joga futebol e querer implantá-la a todo custo, não importando os seus jogadores e as circunstâncias da partida.
Nisso, aliás, Parreira está ao lado de seus mais ferozes críticos: quer fazer os brasileiros jogarem de um jeito ao qual não estão acostumados. Foi isso que fez o técnico Sebastião Lazaroni como técnico na última Copa. Deu no que deu.

Hoje, excepcionalmente, não publicamos texto de Matinas Suzuki Jr.

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