São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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Greta Garbo ri e muito em "Ninotchka"

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Ninotchka" é uma história de amor entre uma furibunda agente soviética e um gigolô americano, passada em Paris às vésperas da Segunda Guerra. É também uma comédia que fala da ditadura do proletariado, de planos quinquenais e de julgamentos e execuções em massa.
Não, você não leu errado. "Ninotchka" é a mais devastadora sátira à URSS feita até então (1939), numa época em que os stalinistas de Hollywood dominavam a Liga Antinazista e era preciso tratar bem a URSS, porque ela parecia a única potência capaz de barrar Hitler.
Considerando-se o clima vigente, é quase um milagre que um filme tão politicamente incorreto tenha sido feito. Mas os acontecimentos trabalharam a seu favor: entre o término das filmagens (julho de 1939) e o lançamento do filme (outubro seguinte), o mundo assistiu espantado ao pacto entre a URSS e a Alemanha.
Stálin e Hitler fizeram as pazes e estupraram juntos a Polônia. A Liga Antinazista imediatamente se disolveu, os stalinistas de Hollywood enfiaram o galho dentro e, por uns tempos, ficou "in" dizer a verdade sobre a URSS. Só os stalinistas não acharam graça.
Mas é claro que a maioria dos espectadores de 1939 foi ver "Ninotchka" por outro motivo: Greta Garbo. Era a primeira comédia da maior estrela dramática do cinema. Os cartazes anunciavam: "Garbo ri!". Pois eles foram ver Garbo rir e, de quebra, riram muito com o que ela falava. Quando lhe perguntam. "Como estão as coisas em Moscou?", ela responde: "Muito bem. Os últimos julgamentos em massa foram um sucesso. Haverá menos e melhores russos".
O "timing" de Garbo para a comédia foi uma surpresa, e ainda mais porque ela contracenava com um mestre do gênero: Melvyn Douglas. O qual, aliás, não tem uma fala no filme que não seja uma jóia de "wit" e sarcasmo. Ao saber que Ninotchka é uma agente soviética, ele diz: "Os planos quinquenais de vocês têm me fascinado nos últimos 15 anos". Mas todo o filme é um festival de tiradas. Não por acaso, foi escrito pela dupla Billy Wilder e Charles Brackett, em parceria com Walter Reiseh.
Aos que ainda acreditam no "cinema de autor", é bom lembrar que "Ninotchka", apesar de dirigido pelo grande Ernst Lubitsch, não é tanto assim um filme de Lubitsch. Não foi dele a idéia de rodá-lo e nem era ele o diretor inicialmente contratado (o qual era Clarence Brown).
Mas, mesmo pegando o projeto em meio, Lubitsch acrescentou-lhe alguns de seus toques mágicos e pessoais, como na sequência em que os delegados soviéticos recebem as camareiras em sua suíte, a portas fechadas. A impressão é a de que lá dentro está se passando uma esbórnia. Daí a frase de Billy Wilder: "Ernst Lubitsch era capaz de ser mais erótico com uma porta fechada do que a maioria dos diretores de hoje com uma braguilha aberta".
"Ninotchka" seria refilmado quase ao pé da letra, 19 anos depois, como um musical intitulado "Meias de Seda", com Fred Astaire e Cyd Charisse. Discutir qual dos dois é o melhor ficou ocioso: "Meias de Seda" tinha Astaire, mas "Ninotchka" tinha Garbo. E os fãs da deusa sueca têm agora outro motivo para ficar felizes: vem aí "Ana Karenina", aquele tremendo drama de 1935 em que ela não ri nem por um segundo.

Titulo: Ninotchka
Diretor: Ernst Lubitsch
Produção: EUA, 1939, preto-e-branco
Elenco: Greta Garbo, Melvin Douglas, Ina Claire, Bela Lugosi
Distribuição: International Classics (tel. 011/824-0099)

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