São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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"A paisagem festiva lembra que a vida não é tão perversa"

OSCAR NIEMEYER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Analisar os problemas do Rio neste curto texto seria leviandade. Mas contar coisas da cidade, em linguagem simples e despretensiosa, é o que posso fazer.
Primeiro, lembrar como eram aqueles velhos tempos. A vida tranquila sem ameaças e assaltos, os bairros arborizados, o centro da cidade ainda acolhedor e nós a percorrer as ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias, devagar, olhando as vitrinas e as moças que passavam ou tomando o nosso chope no Bar Americano da galeria Cruzeiro. E as praias brancas, limpas.
Morava em Laranjeiras, mas Copacabana foi sempre minha atração. Para lá íamos todo o verão, um bairro que nos parecia longe, longe como Petrópolis.
Meu pai alugava uma casa e lá ficávamos diante do mar, na praia tranquila daqueles velhos tempos.
Cedo, 6h, para ela corríamos, contentes de ver o dia a surgir, o horizonte que o sol tingia de vermelho, as silhuetas dos barcos a balançarem sobre as ondas.
Lembro a avenida Atlântica, antes modesta via de passeio que, transformada em pista de circulação intensa, cortou a ligação entre a cidade e o mar. A vista panorâmica que dos morros descia para as praias, perdida diante dos edifícios que o poder imobiliário impôs, e o centro que nos atraía, ocupado agora por uma multidão cada vez mais pobre e aflita.
Não vou fazer críticas inúteis, mas sinto que as questões mais graves, como miséria, tráfego, densidade demográfica e poluição, pediam soluções mais radicais, mas que acredito seriam as únicas capazes de superá-las.
É evidente que, durante a sua evolução, o Rio recebeu a colaboração valiosa de alguns homens de talento e novos pontos de interesse passaram a influir na vida carioca.
Entre eles, o prefeito Pereira Passos, que abriu a avenida Rio Branco; Reidy e Burle Marx, que projetaram o belíssimo parque do Flamengo; e Lúcio Costa, que dotou a Barra da Tijuca de um plano urbanístico atualizado. E vale lembrar os Cieps e o Sambódromo que, com o apoio de Brizola, Darcy Ribeiro inventou. Os primeiros já disseminados pela cidade e o segundo que começa a ser construído em todos os Estados.
No Amazonas, o Sambódromo é coberto; em São Paulo, por nós desenhado, é servido de uma cúpula com 150 metros de diâmetro. Nada disso impediu que o prefeito César Maia desprezasse essa obra e que seus subordinados o acompanhem nessa tarefa.
Enquanto isso, o Rio continua lindo. Os bares repletos de gente, as mulheres mais bonitas ainda e aquela tendência a esperar que as coisas se modifiquem sozinhas, com os ricos menos ricos, os pobres menos pobres e a vida mais justa e solidária.
Muitas vezes permaneci pelo exterior e recordo como gostava de voltar, de entrar pela baía no navio Eugenio C, vendo as pequenas ilhas que surgiam e a cidade a aparecer pouco a pouco, acentuando com sua linha horizontal a imponência barroca das montanhas.
No meu escritório de Copacabana, a paisagem entra festiva pelas salas abertas, lembrando que a vida não é tão perversa como às vezes nos ocorre. Que, na verdade, ela é uma sinfonia à beleza, a esse universo indecifrável, mas maravilhoso, do qual participamos num curto e irrecusável passeio.

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