São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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Em Copacabana, tudo é embrião de mito

O bairro hospedou reis e viu nascer a bossa-nova

CARLOS HEITOR CONY
COLUNISTA DA FOLHA

Ainda é o bairro mais famoso do Rio e do Brasil. E como bairro não merece atenção e tempo do turista sofisticado. Tirante a praia, as ruas internas entraram em decadência, o comércio em decomposição, as gentes em aflição. No entanto, ali outrora ecoaram hinos! Foi o bairro "bem" dos anos 20 aos 60, substituindo a Botafogo de Machado de Assis. Não havia garota de Ipanema ainda, havia a sereia de Copacabana cantada na marchinha do Nássara.
Mataram um major na rua Tonelero, um grupo de tenentes saiu do forte para depor Artur Bernardes, sangue na areia de Copacabana, a epopéia do Forte. Num de seus becos nasceu a bossa-nova. E no seu símbolo maior, o hotel do mesmo nome, desfilaram reis e rainha, Baby Pignatari contratou a súcia que fez a primeira passeata realmente organizada no Brasil: "Go Home, Linda!" Caymmi cantou o sábado de lá e Dick Farney estourou com a princezinha do mar que até hoje vive a murmurar: só a ti Copacabana eu hei de amar.
Tudo é passado, embrião de mito. Ipanema substituiu Copa e a Barra da Tijuca está substituindo Ipanema, mas ainda não tem história, e dificilmente terá: a Barra é uma espécie de Brasília sem o Congresso, embora tenha o mar. Apesar de tudo, é melhor.
Mas o turista será o mais desgraçado dos mortais se não parar ali no Posto Seis, onde fica a colônia de pesca, e olhar a formidável curva da praia. De manhã, à tarde ou à noite é um dos cenários mais impressionantes da Terra. Faz tempo, creio que no final dos anos 60, fumava meu cachimbo caminhando no calçadão. Era outono. Dei com um senhor que me pareceu perdido, ainda com as pesadas roupas com que chegara. O boné e os óculos escuros faziam dele um turista a mais, que não mereceu atenção. Súbito, tira os óculos e enxuga os olhos: estava chorando.
Era Maurice Chevalier que viera para um show. Nem mudara de roupa, nem descansara após a viagem e a idade. Bem, podia ser uma dor de corno mas não era: desceu à praia, apanhou um pouco de areia e colocou no bolso.

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