São Paulo, sexta-feira, 8 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Filmes inéditos da Alemanha reunificada tratam do racismo

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Mostra: Inéditos da Alemanha Reunificada
Quando: de hoje a quinta-feira (dia 14)
Onde: Cinesesc (rua Augusta, 2.075, Cerqueira Cesar, zona oeste, tel.: 011/282-0213)
Preço: CR$ 2.000 e CR$ 1.000 (estudantes e comerciários)

A mostra "Inéditos da Alemanha Reunificada", promovida pelo Instituto Goethe e o Sesc, não é uma mera coleção de novidades da produção cinematográfica alemã. A linha mestra que os orienta deriva da questão social mais candente da Alemanha de hoje: o racismo.
O interessante do panorama é mostrar como os conflitos raciais se acentuaram com a reunificação. O reencontro dos alemães (tanto ocidentais quanto orientais) com seu "outro eu", com seu lado até há pouco reprimido, obscuro, ignorado, acirrou o preconceito contra todos os "outros" –os turcos, negros e imigrantes em geral.
Eis a principal "lição" que se tira dos filmes: o racismo é autodestrutivo, pois tem origem numa rejeição a si mesmo. Isso fica evidente no cenário desolado da antiga Alemanha Oriental, no qual o filme "Herzsprung" encena o surgimento de um grupo neonazista.
Com a desativação das velhas empresas e o êxodo maciço da população para o Ocidente, pouco resta aos orientais remanescentes além da depressão e a loucura.
A desempregada Johanna vê o marido, também desempregado, unir-se a uma gangue de skinheads, depois massacrar suas poucas cabeças de gado e se matar. O negro recém-surgido no povoado é objeto de um ódio homicida que em nada difere do ímpeto suicida.
O que mais impressiona no filme é a paisagem que se pinta de uma Alemanha Oriental até há pouco invisível para o Ocidente. Nada além de construções arruinadas, mato seco, veículos abandonados, objetos deteriorados, um cinza geral ao qual apenas o sangue dos mortos traz alguma cor.
Este cenário compõe o tema de "Paisagem Perdida", que abre a mostra. Tornado um político proeminente na Alemanha Ocidental, o protagonista Elias retorna em visita à localidade natal no lado oriental, onde encontra um mundo de fantasmas.
Existe uma "casa", um "bosque", um "rio", mas tudo contraria a esperança de reencontro mítico com a pátria perdida. A casa é uma construção crua e inóspita, o bosque, uma prisão negra e o rio, a fronteira que impede o acesso ao exterior. De tudo foram cuidadosamente apagados os mínimos traços de beleza.
Portanto, não se iluda quem buscar nos filmes uma plástica reconfortante ou agradável ao olhar. Não irá encontrar mais do que um mundo de sombras ("sombras", aliás, faz parte de dois títulos: "Sombras do Medo" e "Boxeadores de Sombras").
Talvez haja nisso algum resquício da tradicional estética expressionista alemã, mas na verdade o estilo cinematográfico que começa a despontar na Alemanha reunificada ainda não alcançou soberania plena. Ainda deve muito ao Novo Cinema Alemão dos anos 70, principalmente a Rainer Maria Fassbinder ("O Casamento de Maria Braun"), que já havia abordado com maestria as questões do racismo e do desemprego.
Apenas Doris Dõrrie, já veterana no cinema, demonstra um estilo conscientemente construído em "Feliz Aniversário, Turco!". Faz questão de rejeitar as lições de moral que predominam nos demais filmes, indo buscar no cinema americano de gênero um antídoto para a ingenuidade no tratamento do preconceito. Seu "turco" é um alemão descendente de imigrantes que nem a língua dos ancestrais conhece.
Fica, assim, na linha de fogo entre a rejeição dos alemães à sua aparência estrangeira e a rejeição dos turcos, que o crêem um assecla do inimigo. Sua comicidade enquanto detetive, um Sam Spade deslocado, traído por todos os lados, mas que continua a investigar por vontade própria o assassinato de um turco, confere certa leveza a um ambiente dominado pelo lixo –e de resto tão opressivo quanto o dos demais filmes da mostra.

Texto Anterior: Bilheteria de 'Schindler' chega a US$ 100 milhões fora dos EUA
Próximo Texto: Mostra faz painel do cinema independente
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.