São Paulo, sexta-feira, 8 de abril de 1994
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Pecunia non olet

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Apesar de dominar o mundo (ou por isso mesmo), as burras do Império Romano estavam que nem as burras do Brasil: na pior.
Vespasiano consultou o Fernando Henrique à mão e estabeleceu um imposto sobre privadas e mictórios.
Bem, havia na época um Betinho de plantão, justo o filho de Vespasiano, o futuro imperador Tito que seria chamado de "delícia do gênero humano". Pois esse tipo de delícia achou que era demais e foi reclamar com o pai: "Não, dinheiro assim é sujo, taxar privadas e mictórios não é politicamente correto, Júpiter não mais abençoará os romanos!".
Vespasiano pegou uma moeda e mandou que o filho cheirasse. Tito cheirou. "Cheira mais!", pediu o pai. Tito cheirou mais. "Cheira mais forte!", ordenou o imperador. Tito cheirou fortíssimo. "E então? Sentiu algum cheiro?" –perguntou Vespasiano. O filho, honesto como o Betinho, respondeu: "Não." E o pai concluiu com a frase que passou à história: "Pecunia non olet!". Tradução: dinheiro não cheira.
Não sei por que essa comovente cena tem alguma coisa a ver com a lista do Castor e com Betinho. Não chego ao exagero de considerar o nosso sociólogo alguma coisa parecida com a delícia do gênero humano, mas ele bate na trave.
Não me entusiasmei devidamente com as campanhas contra a fome e pela cidadania, não por causa dele, pessoalmente, mas pela histeria da mídia em torno de suas virtudes.
Mídia que ignorava esse verdadeiro momento de cidadania e coragem: assumiu ter recebido dinheiro do bicho para impedir que um movimento humanitário, sem cobertura da mídia, parasse de lutar contra as criminosas transfusões de sangue. Essa coragem, aliada à sua consciência comunitária, faz Betinho merecedor do Prêmio Nobel.
Reclamaram de Churchill ter feito aliança com Stalin para derrotar Hitler. Tirando o charuto da boca (cacoete das horas de raiva), Churchil uivou: "Se o demônio for contra Hitler, eu serei pelo demônio!" Em tempo: mais uma vez a mídia está colaborando na armação típica do submundo do crime. Depois do estrago, serão duas linhas ou meio minuto para informar que não foi nada disso.

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