São Paulo, sexta-feira, 8 de abril de 1994
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Gato preto na neve

JOSÉ SARNEY

Nenhum país, entrando em situação de crise, cujos sinais mais evidentes são inflação alta e incontrolável e indisciplina social, sai dela sem ajustar suas finanças públicas. Mas esta solução não é, como pode parecer, uma simples solução econômica.
Não é obra de economistas, por mais brilhantes que eles sejam. A solução é política, e por isso mesmo tenho afirmado desde os tempos de presidente, que o nosso problema é político.
Envolve decisões de amplo espectro. Não basta equilibrar as contas públicas. Isso somente será possível se conjugado à recuperação econômica e social. Passa pela cabeça de alguém que da eliminação do déficit público surja o milagre?
É um começo.
Considero uma coisa inseparável da outra. Não consequência. Duas fórmulas têm adotado os países que viveram essa situação:
1) A solução do pacto, menos traumática, mais eficaz e mais rápida. A ela socorreram-se a Espanha, Israel e o México. Os pactos de Moncloa até hoje exercem uma sedução irreprimível sobre todos que governam nestes tempos difíceis.
2) A delegação de poderes quase autoritários ao Executivo para que ele faça a cirurgia necessária. Não precisamos acrescentar que esta é a solução dos sistemas autoritários.
Nestes momentos, surgem os tabus. Um deles é o déficit. A meu ver o problema não é o déficit em si, mas como financiá-lo de maneira não-inflacionária. Combatê-lo de maneira selvagem, fechar o Estado, serviços, parar tudo para alcançá-lo levará inevitavelmente ao desastre social, à instabilidade política. É uma fórmula no fundo romântica e inviável. O Estado será sempre solicitado a conjurar catástrofes, quer de ordem natural, quer administrativa.
Outro aspecto importante da atualidade é que nenhum país pode prescindir de uma parceria internacional. Num mundo interdependente, ninguém pode dar-se ao luxo de viver só. O Brasil não sairá da crise sem uma parceria internacional que pode ser a Europa, Japão, sistema financeiro internacional. Mas é óbvio que os Estados Unidos não poderão ficar fora desse projeto.
O desenvolvimento somente poderá ser implantado com disciplina social, que gera estabilidade, que gera confiança, que gera investimento, crescimento econômico, empregos, recursos para o Estado prestar melhores serviços, promover o acesso a melhor qualidade de vida. Dessa riqueza advirão recursos para educação, saúde, infra-estrutura, saneamento etc.
A democracia não pode ser o regime fraco e frágil, incapaz de ordenar a sociedade. Ela precisa de governos que façam funcionar. Não podemos viver permanentemente envoltos na crise. Crise, não como uma palavra vazia, mas como um estado permanente da sociedade, conforme queria Lênin para conquistar o poder.
Em meio desse caldo, o populismo é inevitável. Ele levanta a arma da esperança para solução da demanda social dos pobres e marginalizados. Mas, por outro lado, não constrói nenhuma solução. Leva ao agravamento da crise e cria um círculo vicioso, no qual a desgraça é alimentada pela esperança.
Para romper esse impasse, só resolvendo o problema político. Por isso o problema é político e não econômico. Este é o verdadeiro gato preto em campo de neve.

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