São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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Contos leves sobre temas pesados

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Erramos: 10/04/94

Por um erro de revisão foram publicadas incompletas duas frases. Onde se lê: "mas ele com certeza não o é por causa disso", leia-se: "mas ele com certeza não o é só por causa disso". Onde se lê: "Apesar disso, Cytrynowicz, autor de um livro não ficcional sobre o holocausto - tema que, como se vê, não o abandona -, faz boa estréia", leia-se: "Apesar disso, Cytrynowicz, autor de um livro não ficcional sobre o holocausto - tema que como se vê, não o abandona -, faz boa estréia na ficção".
Contos leves sobre temas pesados
O livro "A Vida Secreta dos Relógios e Outras Histórias", de Roney Cytrynowicz, inaugura a coleção "Brasilis", que, segundo a editora (Scritta), pretende "garantir espaço permanente aos novos autores brasileiros de ficção". Esta posição já bastaria para torná-lo bem-vindo, mas ele com certeza não o é por causa disso.
Em pequenas histórias, o autor faz desfilarem reminiscências da sua infância de menino judeu em São Paulo, misturando-as com lembranças do sofrimento e da opressão de sobreviventes dos campos de extermínio nazistas na Segunda Guerra Mundial, muitos ainda prisioneiros, mas agora das recordações. "A memória fica nos ossos", diz um deles.
Não existem no livro descrições "realistas" da chamada "solução final". A calamidade aparece através de registros mais sutis, de pequenos atos cruéis ou simbólicos; de objetos, como um rádio ou uma boneca; de imagens fugazes, como a dos trilhos de trem que levavam a Auschwitz; de sons ininterruptos, como os tique-taques de relógios; e de sensações nem sempre radicais, variando do gozo ao calafrio. Da parte do menino em São Paulo, há reconstituições saudosistas de um afeto já distante e da perplexidade, recorrente, diante de comportamentos dos adultos de sua família. Cytrynowicz utiliza-se da memória da dor para relatar a dor da memória, e, no conjunto, produz contos que, tratando de temas pesados e polêmicos, conseguem ser leves e delicados.
Há três exceções. No bem-humorado "A Guerra das Matzot", o autor deixa o território da memória e sai-se bem imaginando uma guerrilha comercial entre lojistas judeus, árabes e coreanos na atualidade, numa sátira das relações entre essas etnias em São Paulo. "A Senha do Demônio", um conto menos atraente do livro, traz o delírio metalinguístico, de um narrador que se perde diante de seu próprio computador ao escrever um texto sobre a morte do escritor Isaac Bashevis Singer. Já em "Barracão II", o melhor momento de Cytrynowicz, é a leveza anterior que sai de cena, quando o reencontro entre uma vítima e seu carrasco nazista, 45 anos depois da guerra, atinge em poucos e curtos parágrafos uma dramaticidade instigante.
É verdade que, à parte em "Barracão II", seria frustrada uma expectativa de encontrar no livro de Cytrynowicz uma dicção pessoal, com lances ousados na trama ou no estilo (o autor não se arrisca e parece excessivamente bem-comportado nesse aspecto); e que uma revisão mais rigorosa dos textos teria poupado o leitor de certos cacófatos e pequenos erros gramaticais que não comprometem o todo.
Apesar disso, Cytrynowicz, autor de um livro anterior não-ficcional sobre o Holocausto –tema que, como se vê, não o abandona–, faz boa estréia. E a julgar por um conto como "Barracão II", não é irrealista prever que suas próximas obras poderão ser tão bem-vindas como esta.

A OBRA
A Vida Secreta dos Relógios e Outras Histórias, de Roney Cytrynowicz. Coleção Brasilis. Projeto gráfico e capa de Alfredo S.V. Coelho. Scritta (r. Germaine Burchard, 286, São Paulo, CEP 05002-061, tel. 011 262-1155, fax 864-9320). 77 págs. 11,12 URVs

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