São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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Berlusconi venceu por falta de alternativa

LUCA FAZZO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Depois de oito dias da eleição que deu à Aliança da Liberdade, isto é, o agrupamento da direita, a maioria do Parlamento Italiano, o espetáculo oferecido pelos líderes da coalizão é, sobretudo, o de um áspero desencontro interno. Os dois componentes mais importantes da aliança, Forza Italia, do empresário Silvio Berlusconi, e os federalistas da Liga Norte, de Umberto Bossi, estão empenhados numa batalha de declarações públicas e encontros reservados.
Berlusconi procura criar o novo governo e o seu principal aliado procura impedi-lo. Premiados pelos eleitores com uma votação que superou todas as previsões (a maioria absoluta na Câmara dos Deputados, somente duas cadeiras menos que isso no Senado), os líderes da direita parecem confirmar as previsões de quem, durante a campanha eleitoral, levantou numerosas dúvidas sobre a unidade de pensamento e sobre a homogeneidade da Aliança da Liberdade.
A impressão que se tem nestes dias, no entanto, é de que –como aconteceu durante a campanha eleitoral– nenhuma destas dificuldades poderá vir a ser aproveitada pelas oposições de esquerda nem vai impedir seriamente Silvio Berlusconi de tornar-se o próximo chefe de governo. Berlusconi –proprietário das maiores redes de TV privadas do país, empresário do setor imobiliário, financeiro e de seguros, dono de lojas e do clube de futebol mais forte do país, o Milan– tem nas mãos uma força que o torna praticamente invencível: a falta de alternativas.
Para a classe média, para o eleitorado moderado que viu os seus partidos de referência históricos –a Democracia Cristã, os partidos menores, e por último o Partido Socialista– destruídos pelas investigações de corrupção, Silvio Berlusconi é a única esperança concreta para dar uma expressão política vencedora à Itália conservadora. Diante de uma pequena burguesia desorientada pela "revolução judiciária" das Mãos Limpas, o grande guru do jornalismo italiano Indro Montanelli, havia dito pouco antes das eleições: "Percebo nas pessoas o desejo de um 'homem da Providência"'.
"O homem da Providência" chegou, o seu slogan é "Por um novo milagre italiano". E venceu as eleições colhendo não somente os votos dos velhos eleitores moderados daquela Itália de comerciantes e operários que por 45 anos manteve no poder a Democracia Cristã e os seus aliados, mas saqueando os redutos vermelhos das zonas operárias flageladas pela crise, prometendo "um milhão de novos empregos". Uma promessa que fez rir os economistas, mas que levou para Berlusconi uma grande fatia de uma esquerda aparentemente insegura e pouco combativa.
Diante dessa tendência positiva, as divisões internas na Aliança da Liberdade parecem reduzir-se a pouca coisa. Pouca coisa é o grande agitar-se de Umberto Bossi, o profeta da secessão do Norte industrial do país, que vê o seu futuro reduzido a uma sombra no "new deal" reaganiano de Silvio Berlusconi.
Parece reduzir-se a pouca coisa também a presença embaraçosa na aliança da extrema direita, o Movimento Social Italiano, de Gianfranco Fini, chefe do neofascismo italiano, que logo depois das eleicões chocou os observadorse internacionais dizendo publicamente que "Benito Mussolini foi o maior estadista italiano do século 20".
Alguns sinais de discórdia vieram de quem, durante a Segunda Guerra Mundial, experimentou na própria pele a "grandeza" de Mussolini: o governo grego e alguns setores liberais dos EUA.
A resposta da Aliança da Liberdade foi clara: "não aceitamos ingerências nos negócios italianos".
Igualmente clara, por outro lado, é a posição que Silvio Berlusconi assumiu durante a campanha eleitoral diante de quem lhe pedia explicações pela presença, a seu lado, de um partido como o MSI que, reivindica por inteiro a herança fascista: "São portas fechadas há tempos. Na época do fascismo, Gianfranco Fini ainda não era nascido".
Somente no final das agitadas negociações desses dias se saberá se no novo governo se sentarão ministros declaradamente fascistas, ou se o Movimento Social Italiano se limitará a dar apoio externo. Em todo caso, a situação parece clara: à Liga e ao MSI ficam reservados os papéis secundários.
O protagonista é Silvio Berlusconi, o homem que em três meses criou do nada o partido que governará o país, que em três meses conseguiu se apresentar à Itália com uma imagem de "homem novo", fazendo com que esquecessem sua inscrição na loja maçônica P2 de Licio Gelli, apagando –como se nunca tivesse existido– a aliança de 20 anos com Betino Craxi, o homem símbolo da corrupção política, fazendo passar em silêncio as numerosas encrencas judiciárias de seu grupo na investigação Mãos Limpas. E conseguindo até mesmo fazer passar como uma manobra dos "magistrados comunistas" o envolvimento nas investigações antimáfia do seu braço direito, Marcello dell' Ultri.
Esse, por enquanto, é o verdadeiro "novo milagre italiano" de Silvio Berlusconi, mostrado ainda antes do presidente da República Oscar Luigi Scalfaro convocá-lo ao Quirinal e encarregá-lo de formar o novo governo.
Uma saída tão clamorosa para a crise italiana era, há três meses, simplesmente impensável.
A ponto de, depois das eleições, Eugenio Sealfari, diretor do "La Repubblica", o jornal mais duramente empenhado na luta contra Berlusconi, cair num amargo pessimismo com relação ao estado do país: "Este modo de sentir", escreveu, "reflete exatamente o desprezo dos italianos por toda a regra e toda lei que não sejam aquelas do sangue e do clã. Nós somos sempre o país das facções, da guerra por grupos, dos Montecchio contra os Capuleto, da apropriação dos recursos públicos no interesse do privado (...) Não é de fato um país imaturo. Que erro seria defini-lo assim. É um país de espertos e sobretudo um país onde não existe uma moral pública e um Estado".

Tradução de Anastasia Campanerut

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