São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
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Tiro colocou o ídolo na história do rock'n'roll

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Kurt Cobain se matou. Isso não é romântico. Não é um momento fundamental da história do rock'n'roll. Não é charmoso, não é legal, não é engraçado e não vai mudar a vida de uma geração. É, pura e simplesmente, uma merda.
Você pode ser realista e dizer que era carta marcada. Que se não fosse por uma bala agora, ia ser por heroína amanhã. Ou até que Cobain ia se autodestruir com mais sutileza: tornando-se cada vez menos criativo e menos relevante. É comum, no rock e na vida.
Seria uma conclusão bem lógica se você tivesse entrevistado Kurt durante o Hollywood Rock de 91. Ele era magro e mirrado. Parecia sujo, parecia triste, e seus olhos estavam mortos. Uma vez ou outra durante os quarenta minutos que conversamos, parecia que tinha alguém vivo ali. Mas a impressão passava rápido.
Só que realismo não é "rocker". Rock é justamente sobre a possibilidade de mudar tudo. Mudar a si mesmo e mudar o mundo –viver perigosamente, no melhor sentido do termo. Quem morre perde tudo o que era e tudo o que viria a ser. Quem se mata faz isso de propósito.
E ninguém diga que Cobain não sabia o que estava fazendo quando deu um tiro na cabeça. O safado sabia exatamente no que ia dar sua atitude, chapado de heroína ou não. Ele estava "deixando a vida para entrar na história". Duvido que num microssegundo ele não tenha pensado, "agora vai ser Hendrix, Lennon, Morrison, eu e outros menos cotados".
Suicídio é sempre um momento de supremo egoísmo. Dessa vez foi, também, um ato de traição.
Porque é bem possível que Kurt Cobain já tivesse rendido tudo que tinha para render, mas isso não vem muito ao caso. Nem vem muito ao caso se o Nirvana era uma grande banda ou não, se foi por causa deles que que o rock alternativo explodiu ou não, se Cobain era realmente um cara telentoso ou só mais um moleque caipira com uma guitarra. Enfim, nem vem muito ao caso pensar na filha que nunca vai conhecer o pai, na família, nos companheiros de banda e tudo.
Fico só pensando nos garotos em que Kurt não pensou quando se matou. Nos milhares de garotos pelo mundo inteiro que pegaram na guitarra e caíram na estrada e na vida por causa de "Smells Like Teen Spirit". Nos garotos que nunca mais vão ouvir um disco novo do Nirvana.

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