São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
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Arthur Omar defende o cinema extático

DA REPORTAGEM LOCAL

"O meu desafio é esse: pegar as imagens mais chocantes e produzir uma alegria através delas. A grande arte, o momento da sublimação estética, sempre vem com um sorriso"
Arthur Omar, 46, é um dos artistas mais prolíficos e prolixos em ação no Brasil hoje. Seu vídeo "O Nervo de Prata" (sobre a obra do artista plástico Tunga) está entre os trabalhos do festival Vídeo + Artes Plásticas, que será aberto hoje no MIS (texto ao lado).
No início de março, Omar foi responsável pela instalação mais espetacular do projeto Arte–Cidade. Um semicírculo de monitores de vídeo combinando a violência das imagens de um matadouro com cenas de Carnaval e velhos filmes familiares. Seu mais novo vídeo ("As Férias do Investigador") tem estréia marcada para o próximo dia 18 no Rio, e em maio em São Paulo, no MIS.
O cineasta fotógrafo, videomaker e músico acaba de ganhar uma bolsa das fundações MacArthur e Rockfeller para a realização de um vídeo sobre comunidades negras brasileiras. Seu maior projeto (a adaptação de "Noites na Taverna", de Álvares de Azevedo) continua à espera de financiamento. "Vai ser um filme extremamente violento -e comercial", diz o realizador do "cult" mais desconhecido do cinema brasileiro ("Triste Trópico", 1973).

Folha - Você chegou a incluir seu longa-metragem "Triste Trópico" numa lista dos dez melhores filmes brasileiros.
Arthur Omar - O filme está sendo restaurado para o segundo semestre. Acho que vai causar uma grande surpresa. Os motivos do desconhecimento são vários.
Nunca fiz parte de nenhum grupo cinematográfico. "Triste Trópico" foi convidado para o Festival de Cannes em 76 ou 77 e a Embrafilme na época informou que o filme não existia. É uma sabotagem.
Ao mesmo tempo, tenho um trabalho em outras áreas (fotografia, música, vídeo), por isso não acho que meus projetos tenham sido destruídos. Na verdade, fiz os filmes que queria fazer.
Folha - Qual o seu interesse pela antropologia?
Omar - Minha formação é sociológica. Acho que a antropologia é a mais poética das ciências. É onde você olha o outro com mais surpresa. Para mim, a questão do outro, da identificação, é esteticamente importante. Por isso, o discurso antropológico me seduz. Desde a questão da descrição até a interpretação de formas de pensamento.
Folha - Ao mesmo tempo, você nunca levou a sério esse discurso; fez dele uma paródia.
Omar - Encaro o elemento propriamente científico de uma maneira relativizada.
Folha - Você é místico?
Omar - Não tenho nenhuma relação cósmica no sentido religioso. Reconheço que o meu trabalho passa uma série de elementos que poderiam ser considerados místicos. O que me interessa é a experiência.O cinema para mim não é uma arte audiovisual, mas uma experiência do estar. No filme, você está diante de uma imagem. É isso a linguagem cinematográfica. Ela cria para o espectador uma forma de estar diferente.
O que me interessa é levar essa produção a uma intensidade cada vez mais forte. Não é a emoção cinematográfica, no sentido hollywoodiano, mas a alusão a uma experiência quase pura.
Isso se dá também com o próprio autor. Nos meus próximos trabalhos, por exemplo, eu mesmo estou pegando a câmera. So filmo aquilo que posso filmar sozinho.
Quero carregar, imaginar o meu olho da forma mais intensa possível para passar para o filme aquilo que se dá a partir da experiência concreta de estar diante de um objeto num certo momento, olhando através da câmera. É uma forma de transcrever um pouco a experiência sensorial comum e, através do ato fotográfico ou cinematográfico, procurar passar para um estágio superior. Pode parecer que eu seja místico. Mas acho que seria um misticismo materialista.
Folha - O que é o êxtase para você?
Omar - O que me interessa no cinema é produzir um tipo de experiência que te coloca acima. O êxtase sempre aponta para cima. Para mim, o objetivo do cinema é produzir essa sensação, independente do conteúdo. O desafio é esse. A criação do êxtase vazio, o êxtase por isso, acho por vezes que o conteúdo da obra é sempre extática ou deveria ser.
Num filme como "Ressurreição", feito com fotos de massacres, com uma função aparentemente de denúncia social, o que me interessa é partir daquela coisa baixa e produzir uma coisa alta, a sensação do êxtase. O meu desafio é esse: pegar as imagens mais chocantes e produzir uma alegria através delas. A grande arte, o momento de sublimação estética, sempre vem com um sorriso. O paradoxo para mim é produzir esse sorriso com imagens que aparentemente causariam repulsa.
Folha - Você se acha barroco?
Omar - Não, embora de fora você possa fazer essa conexão, pela própria estrutura das obras, a dissolução das formas, um certo desequilíbrio interno. Mas tenho um ideal de ordem. No neobarroco contemporâneo corre-se o risco de um derramamento, de um excesso, que às vezes desproduz o êxtase. Gosto de trabalhar com o excesso, mas não faço esse culto.

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