São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 1994
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Portugal se transforma em colônia do Brasil

MARCELO TAS
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

O melhor lugar do planeta para descobrir o Brasil fica do outro lado do Atlântico, em Portugal. Para os brasileiros, esse pequeno retângulo no mapa da Europa é muito mais que um mercado de trabalho no Primeiro Mundo.
A presença brasileira é gritante. Não pela quantidade de silvícolas verde-amarelos nas ruas de Lisboa. Mas pelo contraste da nossa natureza expansiva e selvagem comparada ao jeito "mineiro" de ser dos portugueses, retraídos e ensimesmados.
E neste final de milênio, a colônia contra-ataca com chumbo grosso: desde o último fevereiro, a primeira rádio em audiência do país fala em "brasileiro"; na TV, duas novelas da Globo– "Mandala" e "Mulheres de Areia"– disputam a preferência nacional no horário nobre; na publicidade, pela primeira vez, Portugal fatura um Leão de Ouro no Festival de Cannes e quem vai receber é um paulista, presidente da Young & Rubicam...
E ainda há uma recente invasão tupiniquim de fazer os ossos do Padre Anchieta chacoalhar na cova. O jesuíta pós-moderno, "Bispo" Edir Macedo, já ancorou por aqui com sua caravela cheia de dólares e pastores eletrônicos.
O próspero catequizador de almas brasileiro já se infiltrou por Portugal com sua "network" da fé. Sua Igreja Universal do Reino de Deus irradia suas rezas por 18 estações de rádio diferentes todos os dias e já ocupa algumas dezenas de prédios espalhados pelo país.
Como já era de esperar, a colônia contra-ataca com sua arma mais letal: o famoso "jeitinho" brasileiro.
O indestrutível jogo de cintura nacional já criou até mesmo um cartel na noite lisboeta: o cartel do cachorro-quente. São os exploradores da larica (fome fora de hora) da madrugada.
A lógica é simples. Os bares e boates lisboetas ficam abarrotados até de manhã, mas os restaurantes fecham cedo.
Logo, um brasuca sacou da sua cachola cheia de ginga um negócio da China: qual dos portugueses –comilões históricos– não daria seu império por um bom cachorro-quente lambuzado de maionese às quatro da madrugada?
Resultado: a noite de Lisboa está tomada por um cartel "made-in-Brazil" no mínimo surrealista. O de brasileiros que monopolizaram o negócio da venda de cachorros-quentes na porta de boates.
Quase todos os brasileiros confeccionadores de hot dog têm dois pontos em comum. Um: estão desempregados. Dois: trabalharam na primeira e única novela dirigida e produzida por brasileiros em Portugal –"A Banqueira do Povo", dirigida por Walter Avancini, e realizada pela produtora "Máquina dos Sonhos", do brasileiro Walter Arruda.
Aliás, o cachorro-quente é uma espécie de consequência da novela. Apesar de não ter decepcionado nos índices de audiência, "A Banqueira do Povo" –baseada numa história real de uma folclórica agiota portuguesa– trouxe pesadelos financeiros para a "Máquina dos Sonhos". E, consequentemente, para seus credores e funcionários.
Arruda investiu US$ 2,5 milhões em equipamento. E depois foi preterido pela RTP1 (canal da Rádio e Televisão Portuguesa –único canal produtor de teledramaturgia) na hora de renovar o contrato. O escolhido foi um produtor português, ligado à RTP.
"É o mesmo compadrio do Brasil. Nós não inventamos nada, apenas aperfeiçoamos", esclarece Arruda.
A novela atual, "Verão Quente", produzida pelos lusos e dirigida pelo veterano brasileiro Régis Cardoso, não faz a cabeça dos portugueses.
Mas, segundo o mesmo Arruda, o maior inimigo da teledramaturgia portuguesa não está em Portugal e sim no Brasil: as novelas da Globo. "Estes enlatados de merda", diz de boca cheia.
Além das novelas da Globo, há outros sinais eletromagnéticos brasileiros circulando pelos ares lusitanos.
Segundo o último Marktest– instituto que pesquisa a audiência das rádios em Portugal– o primeiro lugar, em Lisboa e Porto, está com uma rádio falada em "brasileiro": a Rádio Cidade.
Trata-se de uma cópia fiel da rádio Cidade de São Paulo com exatamente as mesmas vinhetas, brincadeiras e locutores do Brasil. Só que aqui, o dono, Rui Duarte, 36, é um português, criado em Petrópolis (RJ).
Há oito anos, Duarte voltou para a terrinha e montou uma réplica "pirata" da rádio que gostava de ouvir no Brasil.
No início, o sotaque brasileiro era a causa do sucesso. Hoje, a rádio é legalizada e busca um contato mais próximo com as classes A e B.
Depois dos recentes quiproquós dos portugueses com os dentistas e imigrantes brasileiros no aeroporto de Lisboa, a relação da Cidade com os ouvintes lusos ficou mais delicada.
Antes, o orgulho da Rádio era o sotaque brasileiro; agora, Duarte prefere dizer que o sotaque brasileiro é apenas um detalhe que "não atrapalha" o sucesso.
Pelo jeito, portugueses e brasileiros continuam atraídos pela mesma curiosidade e estranhamento do primeiro encontro de Cabral com os índios pelados naquela praia do litoral baiano.
Um impasse amoroso que já dura cinco séculos.

A série de reportagens sobre Portugal continua amanhã e quinta-feira

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