São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Travessia ameaçada

JOSÉ SERRA

Concluída a transição do regime autoritário para o democrático, o Brasil empacou em dificuldades institucionais e numa crise econômica e social das quais não conseguiu sair. Obteve avanços, mas insuficientes para remover os entulhos acumulados. Falta uma maioria sólida, na sociedade e no Estado, para sustentar um programa de consolidação da democracia e de reformas econômicas e sociais.
Considerem-se, por exemplo, os resultados do Movimento pela Ética na Política, o último a mobilizar forças expressivas. Reclamava maior rapidez do Judiciário, inclusive no julgamento do ex-presidente Collor; nova legislação para moralizar as contribuições eleitorais, reforçar a fidelidade partidária e estimular um sistema de partidos menor, porém mais estável e representativo; criação de um programa para combater a fome; e um salário mínimo de 100 dólares.
É fácil perceber que alguns desses objetivos só foram realizados parcialmente, vários estão muito distantes de ser alcançados e outros têm servido apenas para pregações eleitoreiras.
A revisão constitucional também evidencia o jogo de empurra-empurra nacional. Faltam apenas 50 dias para encerrar seu trabalho, se o prazo atual for mantido. Até agora, só promulgou uma emenda; outras quatro aguardam a segunda votação ou a promulgação; e onze foram rejeitadas, algumas muito importantes para a consolidação da democracia, como a instituição do voto facultativo e a supressão dos vices.
É claro que os "contras" têm responsabilidade pela paralisia da revisão, mas não são os responsáveis exclusivos. Por interesses regionais ou corporativos, forças que se apresentam como "modernizadoras" também resistem a modificações decisivas, como a correção da representação dos Estados na Câmara dos Deputados ou a aprovação de cortes constitucionais de gastos públicos.
Outro exemplo, premente: é indiscutível que a situação econômica do país se desanuviou desde que o ex-ministro Fernando Henrique apresentou o Programa de Ação Imediata e, sobretudo, depois que iniciou a implementação do novo plano de estabilização, agora entregue à direção também clarividente e firme do ministro Ricupero. No entanto, como é sabido, a superinflação ainda não foi vencida e a medida provisória que fundamenta a nova e decisiva fase do plano deve ainda ser aprovada pelo Congresso.
Com as candidaturas presidenciais nas ruas, setores do Congresso tão importantes quanto míopes vêem-se tentados a torpedear o plano de estabilização. É bom que abram os olhos: querendo alvejar Fernando Henrique, atingirão o país, o Congresso, a democracia e a si mesmos, já que a estabilização da economia e a estabilidade das instituições estão entrelaçadas e deveriam interessar a qualquer partido e a qualquer candidato, com um mínimo de descortino e compromisso com o bem público.
É hora, portanto, de bom senso e responsabilidade, que garantam uma travessia normal até o próximo governo. E de que os partidos, isto sim, aproveitem a campanha eleitoral para aglutinar, através do debate de programas alternativos, a maioria sólida de que o país necessita para implementar as reformas democráticas e modernizadoras que o arrancarão para uma nova fase de sua história.

Texto Anterior: Tapem o nariz
Próximo Texto: Listas e listas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.