São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
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Músicos do alto Zé do Pinho traduzem a realidade da cidade

HELIO GOMES
DO ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

Em São Paulo são favelas. No Rio de Janeiro, morros. Já em Recife, há os altos. No bairro de Casa Amarela (zona norte) está o alto Zé do Pinho.
Lá estão inúmeros músicos e grupos, que destoam em muito do que se vê na maioria das vezes em Recife. Eles passam pelas mesmas dificuldades da maioria dos moradores do local e, mesmo assim, sua música consegue ser uma das mais criativas e inovadoras da cidade.
Devotos do Ódio, 3º Mundo, Faces do Subúrbio, O Verbo e Nanica Papaya são apenas algumas das bandas que tiveram o alto Zé do Pinho como berço.
As adversidades inerentes à sobrevivência e à produção cultural no local não são problemas para os músicos desses grupos. Na verdade, elas são o estímulo necessário para sua existência.
Neílton C., guitarrista da banda punk Devotos do Ódio, é um exemplo típico de como a criatividade pode superar qualquer barreira financeira.
"Fiz minha guitarra juntando pedaços de uma geladeira, de um fogão e de um aparelho de som CCE. Ela é a melhor do mundo. Nem se Jimi Hendrix levantasse do túmulo e quisesse comprá-la eu vendia", conta o músico.
A história narrada por Neílton não é nenhuma novidade para os músicos que se formaram no alto. Nílson, DJ do grupo de rap Faces do Subúrbio, faz sua música entre dois velhos pick-ups e uma coleção precária de LPs, que mantém a muito custo.
As duas bandas foram responsáveis por um dos momentos mais marcantes do segundo Abril Pro Rock, no último fim-de-semana.
Ao final da apresentação do Devotos do Ódio –a penúltima da noite de sábado–, os membros do Faces do Subúrbio subiram ao palco montado no Circo Maluco Beleza para um encontro único.
As duas bandas fizeram um crossover de punk e rap digno do feito por bandas norte-americanas, como na trilha sonora do filme "Judgment Night", no qual bandas de rock encontravam-se com rappers de pesado calibre.
Não é exagero comparar o alto aos squats –casas abandonadas habitadas por punks britânicos a partir de meados dos anos 70. O mesmo senso de comunidade e respeito mútuo que existia há duas décadas são reeditados em Recife.

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