São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Novo pagode serve na bandeja a cabeça de Paulinho da Viola

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O programa "Som Brasil" da Globo enfocou anteontem a malária sonora que acometeu o Brasil neste verão –o samba movido a teclados. O especial do novo pagode assustou pela má qualidade musical e o excesso de rebolado. A tentação é chamar o programa de "Muito Barulho por Nádegas", título roubado de um filme pornô recém-lançado. Prova de que moda tem pouco a ver com excelência estética.
A emissora apresentou a versão editada do show que aconteceu no dia 27 de março no estádio do Flamengo, no Rio. Foram 13 grupos, nem todos de samba.
Pouco importa. Até as loiras de Fausto Fawcett e as peladonas da timbalada compareceram para sequências eróticas. A turma de Casseta & Planeta fez dois números, numa tirada esperta do diretor Jodele Larcher. Ele se adiantou e embutiu no show a paródia necessária a um tipo de produto ruim.
O "novo samba" simboliza a degeneração dos costumes. Musicalmente beira o charlatanismo. Possui arranjos de teclados e guitarras, letras de romantismo amanteigado e imaginação melódica zerada. O termo correto para ele deveria ser "sambrega".
Os grupos dissipam o samba tradicional no funk e no soul. Sem vergonha, eles se rendem aos imperativos categóricos das gravadoras, que defendem a circulação de produtos de baixa qualidade.
Os músicos fazem o saldão do velho samba e provocam nos mais exigentes a saudade de Benito di Paula. Perto de grupos como Raça, Negritude Jr. e Razão Brasileira, o Agepê soa como Bach.
Os subconjuntos alegraram o público de cocotas presente ao Flamengo. O Raça atacou: "Eu tô legal/ Vou pensar no futuro/ Tô legal". O galã Dhema veio com gel nos cabelos e versos como "um amor não pode terminar assim". Os elementos do Negritude Jr. fazem a linha "Menudos do pandeiro". O vocalista, mais maquiado que Cid Moreira e Sérgio Chapelin juntos, ousou exibir passos do miudinho, um dos pontos de honra do samba tradicional. Mas era soul ruim, nunca samba.
A timbalada não se diferencia do resto. Ela faz a versão baiana do sambrega. É uma diluição brutal das aquisições do Olodum. Os timbaleiros abandonaram Salvador e se instalaram no Sudeste. Montaram seu bordel rítmico no palco, com direito a topless e citação de Jorge Ben.
E o que dizer de coisas como Razão Brasileira? Aquilo parece Earth, Wind & Fire. Os novos sambistas se esqueceram do improviso do partido-alto e do ritmo. Para camuflar a falta de formação –quase todos vêm de São Paulo– eles expõem passistas ao ridículo, ao quase strip-tease.
Os músicos jovens de samba lembram serviçais que acabam de viver uma súbita ascensão social. O pagode atual é a conspiração dos garçons. Todos se apresentam de branco com gravata borboleta ou com trajes cintilantes e bonés de atendentes do MacDonald's. Os garçons encontraram o veículo de expressão ideal na rapinagem da batucada. Sorriem quando servem ao povão a cabeça decepada de Paulinho da Viola. É o enterro do samba, feito à maneira sarcástica de Nova Orleans.
A Globo –guardiã dos costumes– agora cauciona a decadência. Ainda bem que a onda vai passar sem deixar vestígios. Pena que nunca mais será possível ouvir Jorge Ben –pai do pop brasileiro– como se fosse a primeira vez.

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